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Editorial: construído ethos e situação enunciativa
Marta Cardoso de Andrade Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística da UFBA Professora da UNIFACS – Universidade Salvador
Resumo O objetivo deste trabalho foi estudar a construção do ethos, via léxico, e da situação enunciativa em um editorial de uma revista empresarial, para tanto utilizando-se como aportes teóricos pressupostos da Retórica, da Análise do Discurso de linha francesa e da Comunicação Empresarial. Para se empreender esse estudo, foram realizadas três análises: a dos dados lingüísticos, a dos argumentos usados e a das estratégias de comunicação utilizadas neste texto. Palavras-Chave: Ethos, Análise do Discurso, Argumentação, Editorial
Abstract The objective of this work was to study the ethos, via lexicon, and the declarative (enunciative) state of one editorial. For this matter, postulates of the following theories were used: the Rhetoric, Discourse Analysis (based on the French model) and Business Communication. In order to accomplish this, three analyses were carried out: an analysis of the linguistic data, the arguments used, and the communication strategies employed in such texts. Keywords: Ethos – Discourse Analysis – Argumentation – Editorial.
1. Considerações Iniciais
O homem contemporâneo vive no que se pode denominar de sociedade de comunicação, na qual os seus membros são obrigados, no dia-a-dia, a exprimir e defender, da melhor maneira possível, seus pontos de vista, a debater, a agradar, a seduzir e a convencer. Dentro deste contexto, foi resgatado um campo do conhecimento humano, legado pelos gregos da Antiguidade Clássica, que poderia responder convenientemente a essas necessidades da modernidade: a Retórica. ARISTÓTELES a define como uma área que se ocupa “da arte da comunicação, do discurso feito em público com fins persuasivos” (1998, p.22), sendo entendida também como a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso em específico cuja finalidade seja persuadir.
Segundo MEYER, CARRILHO e TIMMERMANS a maior inovação impressa por Aristóteles está na “sistematicidade através da qual ele integra três elementos fundamentais do discurso” (2002, p.50): o ethos – quem fala –, o lógos – argumento apresentado – e o páthos – a quem se dirige. Cada um desses desempenha um papel fundamental, que se complementa com o dos outros numa articulação complexa. Aristóteles afirmou que a persuasão fornecida pelo discurso pode ser de três espécies: a que reside no caráter moral do orador, ou seja, no ethos; a advinda do modo como se dispõe o ouvinte, ou seja, focalizadas no páthos; e, por fim, a centrada no próprio discurso devido àquilo que este demonstra ou parece demonstrar, ou seja, no lógos.
Deter-se-á a atenção, neste estudo, apenas no primeiro desses casos de persuasão. Para se conseguir persuadir pelo caráter, o discurso deve ser montado / proferido de tal forma a passar a impressão de que o orador é digno de fazê-lo. Aristóteles acreditava que o ser humano está sempre mais propenso a acreditar com maior firmeza e convicção, e de maneira mais rápida, em pessoas tidas como de bem e honestas – usando-se os valores de hoje em dia, essas seriam classificadas como competentes naquilo que elas fazem – ou seja, um dos segredos da persuasão está no orador passar uma imagem favorável de si mesmo, imagem essa que deve seduzir o auditório e captar a benevolência e a simpatia deste. Esta representação do orador é o próprio ethos, equivalendo ao caráter que o orador atribui a si mesmo pelo modo como exerce sua atividade retórica. Não se trata deste fazer afirmações auto-elogiosas sobre a sua própria pessoa no conteúdo do seu discurso, declarações essas que podem, ao contrário, causar uma impressão desagradável no auditório, mas da aparência que lhe confere a fluência, a entonação calorosa ou severa, a escolha das palavras, dos argumentos (o fato de escolher ou de negligenciar um argumento em específico pode parecer sintomático de uma qualidade ou de um defeito). O ethos funcionaria como um elemento que reforçaria a plausibilidade da argumentação exposta, o que, não se deve tanto aos aspectos morais do orador, mas sim àquilo que é resultado do próprio discurso; o que é vital, neste tocante, é que a confiança imputada no orador seja um “efeito” do discurso deste.
Dois termos são muito utilizados nesta abordagem, são eles: orador e auditório. Esses são considerados noções correlatas, as quais servem para se referir, respectivamente, aos pólos de produção e de recepção dos discursos. PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA chamam a atenção de que “se quiser agir, o orador é obrigado a adaptar-se a seu auditório” (1958, p.37). Portanto, do ponto de vista dos conteúdos, o orador deve ter conhecimento sobre aqueles que o ouvirão para conseguir ter sucesso no seu intento persuasivo. “Mudando o auditório, a argumentação muda de aspecto e, se a meta a que ela visa é sempre a de agir eficazmente sobre os espíritos, para julgar-lhe o valor temos de levar em conta a qualidade dos espíritos que ela consegue convencer” (ibidem).
Tocando-se, agora, no tópico argumentação, esta termina por igualmente auxiliar na construção do ethos, bem como também foi foco de estudo da Antiga Retórica, sendo, no século XX, resgatada por Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, no seu Tratado da argumentação: a nova retórica, publicado em 1958. Para Philippe BRETON, “argumentar é raciocinar, propor uma opinião aos outros dando-lhes boas razões para aderir a ela” (1999, p.26). Com isso, o orador pode utilizar mais esse componente que terminará por auxiliá-lo no seu intento persuasivo.
Passa-se a seguir a dois tipos relevantes de argumentos para a análise que se pretende empreender. Iniciar-se-á com os argumentos conservadores, que são “todas as formas argumentativas que se apóiam na busca de elementos preexistentes no auditório”. Para tanto, “a argumentação se faz (...) pela encenação de uma ressonância entre o que já é conhecido e o que é proposto” (idem, p.75-76), baseando-se no já adquirido pelos ouvintes e no previamente existente na sociedade, enfim, na tradição. Nesses argumentos, quase não há novidade no exposto. Consistindo, portanto, “em reavivar circuitos antigos (...), mesmo que a argumentação neste caso consista no estabelecimento de um novo vínculo entre a tese e o já aceito” (idem, p.76).
Quanto ao argumento científico, esse supõe que haja uma comunidade científica, previamente instituída na sociedade enquanto tal, que legitima o olhar sobre o real que dela derive. Esse argumento é montado de forma que o texto, resultante daquele, “fale” por si só, dando a impressão de que não há um único emissor ou emissores que se responsabilizem por ele e sim toda a comunidade, formando a tão falada neutralidade científica.
Além de tudo que já foi exposto, alguns conceitos da Análise do Discurso devem ser expostos para que melhor se abarque um discurso / texto.
Todo discurso tem condições de produção específicas, e estas são denominadas de enunciações, quando igualmente determinam a elocução de um discurso e não de outros, uma vez que se referem a “determinadas circunstâncias, a saber, o contexto histórico-ideológico e as representações que o sujeito, a partir da posição que ocupa ao enunciar, faz de seu interlocutor, de si mesmo, do próprio discurso etc.” (MUSSALIM & BENTES, 2001, p.116).
Num discurso, deve-se identificar o “locutor” e o “enunciador”. Na visão de DUCROT, o primeiro corresponde a “um ser que, no próprio sentido do enunciado, é apresentado como seu responsável” (1997, p.193), equivalendo ao “ser de discurso”. Enquanto que o segundo seria um ser de pura enunciação, que determina o ponto de vista a partir do qual os acontecimentos são apresentados, podendo ser denominado de “sujeito da enunciação”. Vale a pena ressaltar que se o enunciador é, aqui, um efeito do enunciado, tem-se de admitir a existência de enunciados sem enunciadores, uma vez que estes podem ou não se manifestar naqueles. Esse é o caso dos textos sem embreantes, sem marcas de subjetividade – se é que isso é possível. Nesse pleno de enunciação, os eventos / textos “falam” por si mesmo.
Se há figuras que são responsáveis pela produção do discurso, existem as que respondem pela recepção desses, são elas: “co-enunciador” e “alocutário”. O primeiro seria um correlativo de enunciador, uma vez que a enunciação é igualmente uma co-enunciação, na qual dois indivíduos desempenham papéis ativos. O segundo termo se refere ao que poderia denominar de “destinatário direto” (MAINGUENEAU & CHARAUDEAU, 2004, p.156) do discurso, a eles o locutor atribui um “lugar” enunciativo.
Sobre a subjetividade, BENVENISTE (1995) advoga que ela “é a capacidade do locutor para se propor como ‘sujeito’”. Também aponta as formas disponibilizadas pela língua para esse fim: o pronome “eu” – que é a própria consciência de si mesmo–; o pronome “tu” – que advém do contraste com o “eu” – (esses dois constituem a denominada “intersubjetividade”); as formas temporais; as indicadoras da dêixes e os verbos modalizadores conjugados na primeira pessoa.
KERBRAT-ORECCHIONI (1993) amplia esse inventário de marcadores de subjetividade ao acrescentar, aos já existentes, os modalizadores – formas indicadoras da atitude do sujeito falante frente a seu interlocutor, a si mesmo e o seu próprio enunciado, bem como uma classificação que divide os adjetivos em “objetivos” – aqueles que visam apenas descrever – e “subjetivos” – formas indicadoras da subjetividade enunciativa, que se subdividem em: “afetivos”, os quais são elementos que terminam por enunciar, simultaneamente, uma propriedade do objeto que determinam e uma reação emocional do sujeito falante frente a esse objeto; “avaliativos axiológico”, que implicam uma dupla norma, relacionada ao objeto a que se aplicam e ao sistema de avaliação do enunciador, tendo o caráter valorativo mais destacado do que as características desse objeto; e “avaliativos não-axiológicos”, cujo emprego depende da idéia que o enunciador faz da norma de avaliação adequada àquela categoria de objetos. Sendo que, dos três tipos de adjetivos subjetivos supra descritos, esse último é o que tem o menor caráter subjetivo.
Sabe-se ainda que toda enunciação pressupõe uma situação de enunciação, que se refere “ao conjunto de condições que organizam a emissão de um ato de linguagem” (MAINGUENEAU & CHARAUDEAU, 2004, p.450), ou seja, “todo enunciado se realiza numa situação definida pelas coordenadas espaço-temporais: o sujeito refere o seu enunciado ao momento da enunciação, aos participantes na comunicação e ao lugar em que o enunciado se produz” (DUBOIS, 1999, p.168). Sobre a embreagem, essa estaria exposta nas marcas lingüísticas por meio das quais se manifesta a enunciação, visto que os enunciados têm como ponto de referência o próprio ato de enunciar, do qual são produtos. Porém, só algumas características desses são levadas em consideração, aquelas que são definidoras da situação de enunciação lingüística, que são: enunciadores e co-enunciadores, o momento e o lugar da enunciação. Esses elementos formam a denominada embreagem textual à situação de enunciação, sendo apresentadas comumentes pelo “EU” e “TU” – embreagem de pessoa –, pelo “agora” – embreagem de tempo –, e pelo “aqui” – embreagem de espaço.
Sobre a questão do tempo, Benveniste apresenta a idéia de “tempo lingüístico”, cuja singularidade está nesse ser “organicamente ligado ao exercício da fala, o fato de se definir e de se organizar como função do discurso (...) Cada vez que um locutor emprega a forma gramatical do “presente” (...), ele situa o acontecimento como contemporâneo da instância do discurso que o menciona” (BENVENISTE, 1989, p.75-76). Pode-se dizer que todo discurso instaura um “agora”, que equivale ao momento da enunciação, o qual transcorre no tempo presente lingüístico, em que existe uma “concomitância” entre o evento narrado e o momento da narração, e no tempo em que acontece a “não-concomitância”, que se divide em “anterioridade” e “posterioridade” ao “agora”.
FIORIN (2002, p.45) afirma ainda que a temporalidade instaurada pela língua refere-se também às relações de sucessividade entre estados e transformações representados no próprio texto. Com isso, como chama atenção esse mesmo teórico (idem, p.146), pode-se notar que existem na língua dois sistema temporais: o enunciativo - “relacionado diretamente ao momento da enunciação” (ME), organizado em função do presente que já está implícito na enunciação - e o enuncivo, “ordenado em função de momentos de referência (MR) instalados no enunciado”. A esses dois sistemas se deve aplicar as categorias de “concomitância” vs “não-concomitância” (“anterioridade” vs “posterioridade”) do “agora”, com isso tem-se três momento de referência: o concomitante, o anterior e o posterior ao instante da enunciação (ibidem). Sabe-se que quando o momento de referência e o de enunciação são coincidentes, usa-se o sistema enunciativo. Mas, quando a produção e a recepção de um texto não acontecem simultaneamente (para os quais a produção acontece num MA e a recepção em outro), esse momento de referência tem de ser explicitado. Ele também será mostrado quando for anterior (tempo pretérito) ou posterior (tempo futuro) ao momento da enunciação o que ordena os dois sistemas temporais enuncivos. Além dos momentos de enunciação e o de referência, tem-se ainda o do acontecimento (MA), o qual refere-se aos estados e transformações e está ordenado em relação aos diferentes momentos de referência.
Para observar a construção do ethos e se esse auxilia na persuasão discursiva, escolheu-se, como produção textual a ser analisada, um editorial de uma revista empresarial – a Revista Petrobras – por se tratar de um texto jornalístico opinativo, escrito de maneira impessoal e publicado sem assinatura, referente a assuntos ou acontecimentos tidos como importantes ou com maior relevância para o momento imediato, ou seja, para o número que está sendo lançado naquela época. É o tipo de matéria que define e expressa o ponto de vista do veículo ou da empresa responsável pela publicação. Também por se tratar de um texto comum na vida cotidiana das pessoas.
2. O editorial
Bate-bola: Uma edição ainda mais especial
O Comitê editorial e a equipe de reportagem da Revista Petrobras têm a preocupação de fazer uma publicação que sempre surpreenda positivamente os empregados. Um conjunto de notícias que alie informação, cultura e educação, utilizando para isso todas as ferramentas de um jornalismo com qualidade.
Uma das premissas de um bom veículo de comunicação é seu compromisso com a periodicidade e com o tempo que pretende abarcar. Afinal, de nada adianta uma data de capa que não corresponda à agenda real do leitor. Desse modo, todos estão recebendo uma edição especial, com um número de páginas mais e que abrange os meses de abril, maio e junho. A partir de agora, a cada 30 dias, o empregado saberá que está tendo acesso aos últimos acontecimentos da companhia no período. Os esforços para aliar o interesse estratégico da empresa com o da atratividade editorial persistem. Se o empregado da Petrobras é o público preferencial da revista, a família dos profissionais e as pessoas da comunidade também são objetivos da publicação. Esperamos que todo esse universo possa desfrutar deste número especial com prazer, alegria e satisfação. [1]
3. A análise
O ethos construído, no editorial da Revista Petrobras, é o de um profissional da área da comunicação social competente e ciente da sua responsabilidade junto ao seu público leitor. Observar-se-á a seguir como essa construção se processa tanto em nível lingüístico como em nível argumental, bem como o das estratégias de comunicação utilizadas para persuadir o público-alvo da publicação. Inicia-se essa análise com os dados lingüísticos encontrados na própria produção textual.
Os enunciadores, neste texto, são apresentados a partir de nomes próprios – “O Comitê editorial e a equipe de reportagem da Revista Petrobras” (l. 2). Sabe-se, porém, que esses comunicadores representam, em suas reportagens, principalmente em revistas empresariais como as que se está sendo analisada, as idéias defendidas pelos administradores da supra citada empresa. Tanto esses comunicadores quanto esses gestores podem ser denominados de locutores da enunciação.
Quanto aos co-enunciadores, também são apresentados por nomes próprios – “empregados” (l. 4), “leitor” (l. 8), “o empregado da Petrobras é o público preferencial da revista, a família dos profissionais e as pessoas da comunidade também são objetivos da publicação” (l. 14-16). Não há, neste texto, uma interlocução direcionada a um “você” ou a um “TU” explícito.
Notou-se, dessa forma, que há um apagamento dos embreantes de pessoa, ou seja, dos “EU” e dos “TU” enunciativos. Isso ocorre de maneira proposital e se dá para conferir uma maior autenticidade à notícia. O uso desse recurso é muito difundido nas redações jornalísticas, bem como no meio científico, uma vez que isso confere às matérias uma maior credibilidade junto ao público leitor por parecer que foi realizado um relato independente de quem o apresenta, transparecendo, assim, uma pseudo-neutralidade em relação ao fato que está sendo apresentado.
Quanto aos embreantes de tempo, ou seja, as palavras ou expressões que ancoram a situação enunciativa em nível temporal, tem-se o “agora” (l. 10) que faz uma referência ao momento em que o redator / locutor estava escrevendo este texto e ainda remete à posição temporal vivenciada pelo enunciador, enquanto que, para o co-enunciador, ao ler esse mesmo texto, terá também a sensação de um tempo presente, que está transcorrendo exatamente naquele instante. Sendo assim, o uso desse dêitico temporal termina por trair o objetivo principal do texto que é o da imparcialidade total do sujeito enunciativo na construção do discurso, ou seja, o apagamento de todo tipo de marca que conduzisse à subjetividade enunciativa: esse dêitico aponta para a presença do sujeito enunciador. Também se encontra uma alusão aos meses que correspondem à cobertura das matérias existentes na revista - “abrange os meses de abril, maio e junho” (l. 10). Quanto ao “a cada 30 dias” (l. 10), essa expressão tem como referência o “agora” (l. 10) já supra citado; enquanto que “aos últimos acontecimentos da companhia no período” (l. 11-12) refere-se ao “a cada 30 dias” (l. 10), já também mencionado acima.
Sobre os tempos verbais (tabela 1), pode-se igualmente afirmar que os enunciados foram produzidos no presente dêitico que permite situar a enunciação entre passado (fatos anteriores àqueles que estão sendo apresentados) e o futuro (acontecimentos posteriores àqueles que estão sendo relatados). Esse presente organiza a situação de enunciação como se essa transcorresse no ato de enunciação, ou seja, os tempos verbais, neste texto, estão relacionados ao sistema enunciativo, o qual remete diretamente ao momento da enunciação; mas esses verbos foram instaurados no momento de referência presente que vai do momento do acontecimento em que o enunciador escreve o editorial até o momento em que o co-enunciador o lê. O momento de referência é mais longo que o da enunciação, entretanto, é simultâneo também a este, em algum instante dessa prolongada faixa de tempo.
Vale salientar também que foram colocados numa tabela (a número 2) os semitempos que só expressam aspecto quando ligados a tempos plenos que lhes determinam a situação comunicativa (cf. KOCH, 2000, p.41-42). Com isso, igualmente, contribuem para a embreagem temporal do discurso, reforçando o mesmo resultado da tabela 3. Deve ser dito ainda que para representar essa situação peculiar, foi usado o seguinte procedimento: a forma plena entre colchetes e a linha citada é a do semitempo.
Uma ressalva deve ser feita para o verbo “aliar” (l. 4) conjugado no presente do subjuntivo: neste enunciado, ele exprime uma apreciação subjetiva sobre a situação de que se fala, não estando ligado, em termos de limite sentencial, a nenhuma forma verbal plena, pois a oração principal não foi atualizada. Esse semitempo se ligará à forma plena do enunciado anterior, o que não prejudica o entendimento do parágrafo. Isso já não acontece com o “corresponda” (l. 9), uma vez que esse tem o verbo “adiantar”, conjugado na terceira pessoa do singular no presente do indicativo, na oração principal, o que termina por transferir a idéia de presente também para a oração subordinada.
Tabela 1 SISTEMA ENUNCIATIVO
Tabela 2 SISTEMA ENUNCIATIVO
Feitas essas ponderações sobre a embreagem de tempo, pode-se concluir que, apesar da aparente objetividade existente neste editorial, há um “EU” que recebe o nome de “Comitê editorial e a equipe de reportagem da Revista Petrobrás” (l. 2) que se dirige a um “TU” apontado como os públicos preferenciais e os demais alvos dessa publicação, a qual mobiliza dêiticos temporais – “agora” (l. 10), “aos últimos acontecimentos da companhia no período” (l. 11-12), “a cada 30 dias” (l. 10) e, principalmente, as marcas de tempos presente dos verbos (tabelas 1 e 2).
Nesta produção textual, entretanto, não foram encontrados embreantes que marquem o espaço enunciativo, ou seja, não há as palavras ou expressões que ancorem a situação enunciativa em nível espacial, confirmando mais uma vez o objetivo de neutralizar ao máximo a informação que está sendo veiculada. Sabe-se, porém, que, implicitamente, a enunciação acontece na redação da revista, onde este texto foi redigido.
Tabela 3
Sobre os adjetivos e as locuções adjetivas encontradas (tabelas 3 e 4), observou-se a não existência de ambos os componentes gramaticais supra citados com valoração afetiva, provando mais uma vez a tentativa de suprimir a subjetividade enunciativa. Notou-se também que há três registros de adjetivos avaliativos axiológicos e o mesmo número dos não-axiológicos, como também existe uma locução adjetiva com o valor avaliativo não-axiológico. Essas marcas qualificadoras demonstram a presença subjetiva do enunciador, uma vez que esses tipos de qualificadores estão diretamente relacionados ao sistema avaliativo desse sujeito. A presença maciça de locuções adjetivas descritivas e a de três registros de adjetivos com esse valor apontam para a tentativa de impessoalizar o enunciador textual como já foi ressaltado, ou seja, tenta-se apresentar o discurso da forma mais objetiva possível, mesmo que essa meta seja traída minimamente pelo uso de algumas palavras ou expressões.
Tabela 4
Após essa análise dos dados lingüísticos, passa-se a dos argumentos e a das estratégias comunicativas utilizadas para a construção do sentido e do ethos.
No primeiro enunciado do texto, os locutores expressam a sua preocupação com o seu auditório, ou seja, com o seu público-alvo - funcionários, sua família e as pessoas da comunidade -, ao avisarem que querem surpreender com aquela edição que está sendo lançada. Para solidificar essa “preocupação”, na próxima sentença, utilizam um argumento conservador, o qual se apóia em elementos preexistentes no próprio auditório, baseando-se em uma idéia já aceita, prestando-se assim apenas a reativar o circuito de pontos de vista antigos, uma vez que as pessoas em geral concordam que todas as notícias devem aliar “informação, cultura e educação” (l. 4) e que as ferramentas usadas por um jornalismo de qualidade sempre ajudam nesse intento, ou seja, não há nenhum dado novo nesse enunciado.
Para justificar a publicação mensal da revista, ao invés desta possuir uma periodicidade maior, os locutores iniciaram o segundo parágrafo com um argumento que supõe uma teoria de cunho científico, a qual embase aquilo que está sendo enunciado. Levantam-se, portanto, duas das características do jornalismo, ditada pelos estudiosos dessa área, as quais são: a atualidade e a periodicidade. Elas foram utilizadas garantindo a excelência desse veículo de comunicação, o que pode ser comprovado no trecho a seguir: “o compromisso com a periodicidade e com o tempo que pretende abarcar” (l. 6-7).
No último parágrafo, encontra-se um discurso construído sobre os princípios defendidos na teoria das Relações Públicas: “aliar o interesse estratégico da empresa com o da atratividade editorial” (l. 13-14), resultando num veículo de comunicação empresarial ideal para verbalizar as idéias da administração da organização; também aponta os públicos-alvos da revista utilizando o adjetivo “preferencial” (l. 14) para indicar os empregados como sendo o principal auditório a ser atingido pela publicação; e termina de forma humilde, afirmando que espera que os públicos desfrutem da revista que está chegando às suas mãos, selecionando, para isso, palavras com sentido positivo, como “prazer, alegria e satisfação” (l. 17). Esse trecho do texto é montado em cima de opiniões e discursos comumente proferidos e considerados como bons ou politicamente corretos para os meios organizacionais, mas igualmente deve ser considerado como um argumento com pequena eficiência argumentativa, uma vez que já se tornou lugar comum afirmar que a administração está preocupada com a satisfação dos seus colaboradores internos (mesmo quando esse fato não ocorra de fato dentro da instituição). Com isso, os empregados terminam por “aceitar” essa opinião, mas sem o entusiasmo que deveriam ter ao aderir a um ponto de vista. Essa é uma estratégia muito usada na comunicação empresarial – tentar valorizar o público interno da organização, mesmo que seja só em nível de discurso e, conseqüentemente, do ethos construído para os gestores da empresa –, por isso mesmo, terminou por ficar desgastada. Os relações públicas estão tentando reverter essa situação, provando que o discurso deve vir acompanhado de realizações concretas. Isso é o que ocorreu no caso da edição da Revista da Petrobras que, se comparada a números anteriores, se tornou realmente especial, principalmente, por estar mais voltada para os interesses de público leitor, fato que prova a eficiência de um veículo de comunicação deste tipo, segundo CESCA (1995, p.120).
Notou-se que esse texto, em sua totalidade, expressa o discurso jornalístico mesclado com o empresarial. O primeiro vem como suporte que comprova a eficácia e a eficiência do segundo. O ethos adquire o tom jornalístico com nuances empresariais e o caráter de alguém preocupado com aquilo que o seu auditório está recebendo como notícias da empresa para a qual trabalha. Há um uso farto de palavras e expressões que remetem à referida área da comunicação. São elas: “edição” (l. 1 e 9), “Comitê editorial” (l. 2), “a equipe de reportagem” (l. 2), “revista” (l. 2 e 15), “publicação” (l. 3 e 16), “conjunto de notícias” (l. 4), “informação” (l. 4), “ferramentas de um jornalismo” (l. 5), “veículo de comunicação” (l. 7), “periodicidade” (l. 7), “data de capa” (l. 8), “agenda real do leitor” (l. 8), “número de páginas” (l. 9-10), “editorial” (l. 14), “público preferencial” (l. 14) e “número” (l. 17).
Também no último parágrafo deste texto, ocorre a entrada da voz da empresa aliando-se à voz dos redatores, já presente, formando o que se pode denominar de locutores textuais. Tudo foi colocado nesta produção para tornar os funcionários convictos da sua importância na empresa, bem como convencê-los de que são o público razão desta revista existir e do melhoramento pelo qual esta está passando para atender ainda mais as suas necessidades. Com isso, chega-se ao discurso das Relações Públicas, o qual é uma mescla do jornalístico com o administrativo, que termina por construir um ethos mais adequado a um gestor administrativo na atualidade, ou seja, o de um profissional preocupado com o bem-estar dos seus colaboradores internos.
4. Considerações finais
Após a análise empreendida, observou-se que, na produção textual escolhida, foi construído o ethos que encarna o perfil de um profissional da área da Comunicação Social (CS) competente e ciente da sua responsabilidade junto ao seu público leitor, bem como também foi edificado o ethos de uma empresa (instituição que está por trás do discurso apresentado no editorial em questão) que se preocupa com o seu colaborador interno. Buscando a valorização do pessoal e o acesso deste a informações através de um veículo de comunicação que os administradores da empresa e o Comitê Editorial, junto com a equipe de reportagem, acham que é o melhor que a organização pode disponibilizar no momento.
Portanto, o que foi observado é que o ethos da Petrobrás é o de uma organização que recruta profissionais que estejam conscientes de suas funções, como é o caso da equipe de jornalistas que produzem esta revista institucional, bem como é também uma empresa cujo traço predominante seria o senso de equipe, de corporação, que não despreza o indivíduo enquanto um ser que possui uma família e que está inserido numa comunidade; conseqüentemente, esses também seriam e são segmentos que a publicação pretende alcançar. Ampliando o público-alvo deste veículo de comunicação, sem perder de vista o seu principal objetivo que é o seu funcionário.
Pode-se ainda afirmar que esse ethos que foi construído serve de forma preponderante para persuadir o co-enunciador do discurso, sendo elaborado a partir tanto das escolhas lingüísticas quanto da dos argumentos.
Conclui-se igualmente que análises deste porte podem auxiliar os profissionais do Curso de Letras – uma vez que esses lidam com a produção e recepção de textos em geral –, como também os da área da Comunicação Social (CS) – já que conferem, aos que desempenham essa atividade, uma maior consciência do uso adequado de ferramentas que possibilitem uma persuasão às idéias apresentadas em suas produções textuais.
Pode-se, então, afirmar que os textos da área empresarial, como o que foi analisado neste artigo, são um rico material de estudo não só para os profissionais da CS como também para os de Letras. Saber como eles são elaborados e como devem ser lidos, principalmente, usando-se as pistas neles deixadas pelo enunciador, deve ser tarefa desses dois profissionais – um tendo consciência do que está produzindo e o outro tendo capacidade de ler este tipo de material –, e essa é a pequena contribuição deixada por este breve estudo.
Notas:
[1] BATE-bola: Uma edição ainda mais especial. Revista Petrobras. Rio de Janeiro, n. 90, abr/maio/jun. 2003. Revista Empresarial Edição Especial. p. 6.
Referências: ARISTÓTELES. Retórica. Trad. Manuel Alexandre Júnior et al. Lisboa: Imprensa Nacional / Casa da Moeda, 1998. BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral I. Trad. Maria da Glória Novak e Maria Luisa Neri. 4.ed. Campinas: Pontes, 1995. BENVENISTE, Émile. Problemas de lingüística geral II. Trad. Eduardo Guimarães et al. Campinas: Pontes, 1989. BRETON, Philippe. A argumentação na comunicação. Trad. Viviane Ribeiro. Bauru(SP): EDUSC, 1999. CESCA, Cleuza G. Gimenes. Comunicação dirigida escrita na empresa: teoria e prática. São Paulo: Summus, 1995. DUBOIS, Jean et al. Dicionário de lingüística. Trad. Frederico Pessoa de Barros et al. 7.ed. São Paulo: Cultrix, 1999. DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Rev. Tec. Trad. Eduardo Guimarães. Campinas(SP): Pontes, 1987. FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. 2. ed. São Paulo: Ática, 2002. KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. La enunciación: de la subjetividade en el language. Trad. Gladys ânfora e Emma Gregores. 2.ed. Buenos Aires: Edicial, 1993. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Argumentação e linguagem. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2000. MAINGUENEAU, Dominique; CHARAUDEAU, Patrick. Dicionário de análise do discurso. Coord. Trad. Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2004. MEYER, Michel; CARRILHO, Manuel Maria; TIMMERMANS, Benoit. História da Retórica. Lisboa: Temas e Debates, 2002. MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Org.). Introdução à lingüística: domínio e fronteira. v.2. São Paulo: Cortez, 2001. PERELMAN, Chïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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ANDRADE Marta Cardoso de. Editorial: construído ethos e situação enunciativa. In: Revista Inventário. 4. ed., jul/2005. Disponível no web world wide em: http://www.inventario.ufba.br/04/04mcardoso.htm.
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