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Considerações sobre o hipertexto e os gêneros virtuais

emergentes no seio da tecnologia digital

  

Palmira Heine

Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação
em Letras e Lingüística da UFBA

pheine@ig.com.br

 

Resumo:

Pretendeu-se abordar as principais características do hipertexto e de alguns gêneros virtuais emergentes, enfatizando-se os weblogs (diários virtuais públicos), atualmente bastante utilizados por adolescentes. Buscou-se também mostrar as transformações sofridas pelo texto e pela escrita na Internet, a partir do delineamento de um novo espaço da escrita e de novas características textuais, já que o texto virtual carrega em si múltiplas semioses e um hibridismo entre a modalidade oral e escrita.

Palavras-chave: Hipertexto, Weblogs, Gêneros Virtuais.

 

Abstract:

The objective of this article is to talk about the hypertext and some of virtual genders that emerged in the Internet context, emphasizing weblogs (public virtual diaries). It’s important to say that the text in the Internet has different characteristics from the traditional ones. Virtual text is marked by a new space of writing and by a mixed between speaking and writing modalities.

Key-words: Hypertext, Virtual Genders, Weblogs.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

O advento da Internet na sociedade atual tem trazido inovações significativas, principalmente no que diz respeito ao conceito de texto, que, dotado de novas características, múltiplas semioses e de um caráter amplamente interativo, vem se expandindo substancialmente, dando lugar ao que é comumente chamado de hipertexto [1]. Também assim se define, neste artigo, ao texto virtual que carrega consigo um novo tipo de escrita, envolvendo elementos textuais e não textuais (imagem, som, etc) realizados através do computador. Segundo XAVIER (2004, p.171), o hipertexto pode ser entendido como uma forma híbrida, dinâmica e flexível de linguagem que dialoga com outras interfaces semióticas, adiciona e condiciona à sua superfície formas outras de textualidade”.

 

Pode-se notar também que a presença de links [2] no âmbito do hipertexto permite o estabelecimento constante de relações entre o texto que está sendo lido e outros textos aos quais aquele está se remetendo, numa grande rede de relações e formações de sentido dentro da esfera textual, estabelecendo assim uma ampla intertextualidade virtual. Da mesma forma, os links permitem que o leitor tenha acesso a espaços virtuais utilizados para que ele possa interagir com o escrevente do texto virtual, com comentários, opiniões, críticas, perguntas e sugestões, o que caracteriza o hipertexto como texto essencialmente interativo, em que o leitor também é o seu escrevente.

 

O hipertexto vem, portanto, inaugurar um novo espaço para a escrita, que possuirá, de acordo com os gêneros virtuais emergentes no contexto da tecnologia digital, características sui generis.

 

2. OS GÊNEROS VIRTUAIS

 

Gêneros virtuais é o nome dado às novas modalidades de gêneros textuais surgidas com o advento da Internet, dentro do hipertexto. Eles possibilitam, dentre outras coisas, a comunicação entre duas ou mais pessoas mediadas pelo computador. Comumente chamada de Comunicação Mediada por Computador (CMC), esta forma de intercâmbio caracteriza-se basicamente pela centralidade da escrita e pela multiplicidade de semioses: imagens, sons, texto escrito (cf. MARCUSCHI, 2004). A Internet veio inaugurar uma forma significativa de comunicação e de uso da linguagem através do surgimento dos gêneros virtuais, marcados pela fugacidade e volatilidade do texto, como no caso das salas de bate-papo, onde as conversas entre duas ou mais pessoas acontecem em tempo real, de maneira síncrona, tornando então o texto fugaz; pela interatividade, já que permitem a interação entre o leitor e o texto (como no caso dos weblogs, onde os leitores podem opinar, mandar recados ou discordar do que foi escrito, interferindo, assim, no texto virtual); pelo anonimato, em alguns casos, como os das salas de bate-papo abertas, onde as pessoas se escondem atrás de um nickname (apelido), criando uma nova ou novas identidades virtuais; dentre outras.

 

 A CMC possibilita uma grande inovação no conceito de texto, marcado não mais pela defasagem temporal entre o momento da escrita e a sua veiculação ou publicação, mas sim pela relação temporal síncrona na maioria dos casos; e pela união de imagem (como por exemplo os ícones que expressam emoções diversas, conhecidos como emoticons), som (músicas de todos os estilos) e texto escrito. Como afirma FREIRE (2004, p.24):

 

Abreviaturas, recursos gráficos que ocupam o lugar de palavras, gírias, sinais de pontuação decorados com desenhos, onomatopéias, letras estilizadas com formas gráficas definidas, palavras de outra língua (aportuguesadas ou não) ganham sentido num texto minuciosamente escrito em cores diversas.

 

Neste artigo pretende-se abordar as características de alguns dos gêneros virtuais que emergiram com a ampla utilização da Internet, com ênfase nos blogs. Os principais gêneros virtuais emergentes serão descritos a seguir:

 

Os e-mails Assemelham-se a cartas ou bilhetes virtuais que podem ser formais ou informais, dependendo do objetivo a que se destinam. Os e-mails são assíncronos, mas possibilitam uma enorme rapidez na troca de informações, permitindo uma maior velocidade na resposta, independentemente da distância em que os interlocutores se encontram. Representam uma transmutação dos bilhetes tradicionais, porém com características inovadoras como a presença de emoticons animados, que são, como já foi dito anteriormente, ícones que permitem a expressão de sentimentos ou emoções tais como alegria, tristeza, surpresa, sono, chateação, etc, que não são tão comuns nos e-mails formais, mas que ocorrem muito em ocasiões informais.

 

Os chats ou salas de bate-papo – Os chats distinguem-se dos e-mails por serem síncronos e permitirem o diálogo, centrado basicamente na escrita, entre duas ou mais pessoas. Também se caracterizam pela fugacidade do texto, que está em constante atualização, característica inovadora que permite uma nova forma de comunicação entre duas pessoas, através da centralidade na escrita. Ao participarem das salas de bate-papo, os indivíduos criam um apelido (nick) que será utilizado durante a conversa virtual; a partir daí, o indivíduo escolhe uma sala para começar o bate-papo virtual. A interatividade dos chats é algo que salta aos olhos, já que este permite que uma pessoa “converse” com várias outras ao mesmo tempo. O fato de permitir o diálogo através da escrita, sem que os interlocutores precisem necessariamente estar presentes, promove a criação de mecanismos e estratégias que representem o diálogo face a face, o que pressupõe a presença de marcas da oralidade nas conversas dos chats, que reproduzem frases curtas, abreviações, dentre outras características antes peculiares à modalidade oral. Os principais tipos de chats são: chats abertos, fechados, aulas-chat, e entrevista com convidado.

 

A linguagem utilizada nas salas de bate-papo possui características únicas, tais como: um infinito número de abreviaturas criadas diante da necessidade de estabelecer a comunicação rapidamente; a presença de uma chamada “escrita fonética”, através da qual se escreve como se fala, priorizando os fonemas das palavras e não a ortografia das mesmas (a palavra quero, por exemplo, é grafada com [k], e torna-se “kero”, e a palavra não dá lugar a “naum”); os enunciados são curtos e a linguagem é bastante informal; possui muitas vezes caráter homofônico, como no caso das palavras 100sação, 100nome, BonitaD+, dentre outras.

 

Listas de discussão – São espécies de grupos formados por pessoas com os mesmos interesses que interagem através de e-mails. Este gênero é muito comum em grupos de estudantes universitários que criam listas para debater sobre determinado tema. As mensagens são enviadas para todos os membros do grupo através de e-mails. Geralmente, estas mensagens ficam armazenadas num arquivo virtual criado pelo moderador (espécie de webmaster cuja função é gerenciar o envio de mensagens e a entrada de novos membros) do grupo, permitindo que os membros do mesmo possam ter acesso ou não às mensagens antigas. Para participar de uma lista de discussão a pessoa, na maioria das vezes, precisa ser aceita pelo moderador do grupo que autoriza ou não a entrada da mesma, levando em conta o interesse do indivíduo pela discussão dos temas que serão tratados na lista.

 

Os weblogs (blogs)Blog é uma abreviatura do termo WebLog e caracteriza-se por ser uma espécie de diário virtual público, onde as pessoas escrevem sobre si, sobre suas idéias, visões de mundo, que pode ser constantemente atualizado. Nesse ponto, assemelha-se aos diários privados de antigamente, mas tem, ao contrário daqueles, um caráter público. O blog é muito utilizado, atualmente, principalmente por adolescentes que criam seus diários virtuais com o objetivo de compartilhar um pouco de sua vida, idéias e sonhos com o público em geral e com seus amigos.

 

Por ser um diário, o blog pode ser atualizado constantemente e as mensagens mais antigas vão sendo armazenadas seguindo uma ordem cronológica, sendo que a datação chega a indicar, na maioria das vezes, a hora em que a mensagem foi postada, possibilitando assim a disponibilidade de consulta das mensagens por qualquer pessoa que tenha interesse em acessá-las.

 

Os blogs representam a transmutação dos diários tradicionais, e carregam muitas características destes, porém trazem inovações. Tanto os diários tradicionais quanto os blogs possuem uma série de figuras, imagens, desenhos, com funções diferentes, em cada uma das modalidades. Nos diários tradicionais essas imagens têm como objetivo principal enfeitar o texto, tornando o ambiente textual mais “aconchegante” para o seu escrevente. Porém, nos diários virtuais, até mesmo pelo seu caráter público (os blogs são feitos para que sejam lidos por todos aqueles que desejarem), nota-se que a presença de imagens surge com a função de representar principalmente emoções e sentimentos, que não poderiam ser expressados de outra forma no meio virtual.

 

Os usuários dos blogs (blogueiros) criaram uma espécie de linguagem utilizada amplamente por eles, que possui expressões típicas e características próprias. Isso pode ser visto a partir da análise do exemplo abaixo, retirado de um blog de um adolescente de 14 anos da cidade de São Paulo:

 

Ex.1

ieeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee Tdo bom com Voxês ???
Espero q ximm !!!
Poix comigo extá TdOoOoOo ÓtImOooOo gRaÇaS a DeUX !!!
VamOX aX novIdAdX !!!

:: tÁ xEgaNdU MEu NiVEr ::

Yesssss faltam xó 12 diaxxxx ebaaaa pra mim fazer 15 !!
AiIIiIiI AiIiII tÃOoOoOo FELixxxxxx !!!
Gostaria d pedirr pra vocês q sabem fazer lays pra fazer um personalizaduu pra mim eu sempre sonhei em ter um e nunk tive e gostariaa MTOOoOo D ganhar um d niver !!
quem quiser me dá euu vou amarrrr !!! Por favor

 

Nesse trecho percebe-se o uso exagerado do grafema x no lugar do s, representando a consoante fricativa palatal [∫] no final das palavras, ou até mesmo no meio delas, como no caso de extá, caracterizando a escrita fonética comum aos blogs. O x também está sendo utilizado para substituir o dígrafo ch, como na palavra xEgaNdU; nota-se também a repetição de vogais para enfatizar uma idéia, assim temos as palavras mtooooo, tãooooooo, dentre outras. Observa-se também, no final das palavras, a mudança da vogal o para u, como visto em personalizaduu, assemelhando-se ao fenômeno que ocorre basicamente na fala.

 

A seguir, estão listadas algumas palavras encontradas em blogs de adolescentes e que fazem parte do jargão dos blogueiros:

 

-         Iaí significa a expressão e aí, e então;

-         Axu – possui o mesmo significado da palavra acho

-         Cto – abreviatura da palavra quanto

-         Fds – fim de semana

-         Niver – aniversário

-         Nus – nós

-         Nunk – nunca

-         Pexual variação da palavra pessoal

 

Os blogs, ao contrário dos chats, não possuem um caráter síncrono, já que as mensagens não obtêm resposta imediata, mas nem por isso deixam de permitir a interatividade, que acontece a partir do momento em que os leitores podem interagir com o blogueiro enviando comentários ou críticas. Em muitos blogs existem links, como os que estão listados abaixo, que possibilitam que o leitor interaja com o escrevente do mesmo. Longe dos moldes tradicionais em que o texto representava uma fonte estática e não interativa, este agora passa a ser dinâmico, constantemente atualizável, e permite que o leitor participe de sua construção. O texto passa a ser um produto de várias mãos. A seguir estão listados alguns exemplos de links que permitem a interação entre leitores e escreventes:

 

Exemplo 1 (retirado de: http://www.hiraduss.blogger.com.br):

 

Exemplo 2 (retirado de: http://www.hiraduss.blogger.com.br):

|| By Paty || 18:17:50 ||
Comenta, Vai!? (6)

 

Para ilustrar a interatividade permitida pelos diários virtuais, foram selecionados alguns comentários feitos sobre os blogs dos quais se retiraram os exemplos acima. Note-se que a escrita utilizada é bastante semelhante. Exemplos de comentários retirados de um blog de adolescente de 14 anos da cidade de São Paulo:

 

Exemplo 3 (retirado de : http://www.hiraduss.blogger.com.br):

aiii q bom q vc gostou do meu bloguinho ele deu um certo trabalhinho .. mas valeu apena achu q fico lindu tbm ... teu blog tbm é super legal adorei .. vamos trocar links sim ... pega la o meu q eu vou colocar o seu já!! e seu blog já ta na minha listinha de destaque ok!? bjinhus ... até a próxima!!

 

Exemplo 4 (retirado de: http://www.hiraduss.blogger.com.br):

Leilah - enviado em 20/4/2005 18:39:00
Oiieeeeeee
Tks pelo comment no meu blog!
Ó......eu faço encomendas de lays sim....mas cobro. Quandu vc entrar no meu blog, lá em cima vai apareçe uma janelinha....alí fala sobre encomendas...dah uma bizoiada ^.~
Seu blog tah super fofo ^^
Beijoks

 

No exemplo 3, é interessante notar a presença de diminutivos, fenômeno muito comum na linguagem dos blogueiros, dando a idéia de uma relação de afetividade entre estes e seus próprios blogs. Dessa forma, temos: bloguinho, trabalhinho, listinha, bjinhus.

 

No exemplo 4, o que chama a atenção é a presença da palavra Tks, abreviatura do vocábulo inglês thanks. O mesmo acontece com a palavra lays que é a abreviatura da expressão inglesa lay out. Uma outra característica é a presença de emoticons. Neste exemplo destacam-se os seguintes:

 

^.~ – representando a piscada de olho, satisfação.

^^  – representando um gatinho, com o sentido de alegria.

 

Vê-se, portanto, que a internet possibilitou a criação de um novo espaço para a escrita, permitindo também a ampliação da concepção de texto, que no espaço virtual carrega marcas da oralidade e representa um hibridismo entre a modalidade oral e escrita. Assim, o texto passa a ser dinâmico e interativo, sendo escrito por várias mãos.

 

NOTAS:

1 O nome hipertexto foi cunhado por Theodor Nelson em 1964, mas não se refere apenas ao texto no ambiente virtual e sim a todos aqueles que permitem uma leitura não linear, como a atividade de leitura de verbetes em dicionários, ou de referências em enciclopédias.

 

2 Os links podem ser entendidos como espécies de ícones que permitem o estabelecimento de conexões entre um texto e outro, uma informação e outra, dentro de um hipertexto.

 

Referências:

FREIRE, Fernanda M. P., ALMEIDA, Rubens Queiroz, AMARAL, Sérgio Ferreira, SILVA, Ezequiel T. S. A leitura nos oceanos da internet. São Paulo: Cortez, 2003.

KOCH, Ingedore Villaça. Introdução à Linguística Textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

MARCUSCHI, L. A. Gêneros virtuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In MARCUSCHI & XAVIER, Antônio Carlos dos Santos (orgs). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de construção do sentido. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.

XAVIER,Antônio Carlos. Leitura Texto e hipertexto. In: MARCUSCHI & XAVIER, op. cit.

KOMESU, Fabiana. Blogs e a prática de escrita sobre si na internet. In: MARCUSCHI & XAVIER, op. cit.

OTHERO, Gabriel de Ávila. A língua Portuguesa nas salas de bate-papo: Uma visão lingüística de nosso idioma na era digital. Rio de Janeiro: Berthier, 2003.

 

 

 

COMO CITAR ESSE ARTIGO

HEINE, Palmira. Considerações sobre o hipertexto e os gêneros virtuais emergentes no seio da tecnologia digital. In: Revista Inventário. 4. ed., jul/2005. Disponível no web world wide em: http://www.inventario.ufba.br/04/04pheine.htm.

 

 




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