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Análise discursiva de uma nota de revista empresarial

 

Marta Cardoso de Andrade

Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Lingüística do
Instituto de Letras da UFBA

martacardoso@terra.com.br

 

Resumo

Os textos de uma determinada época, quer se debrucem sobre assuntos de interesse específico do público de uma maneira geral, ou enfocando segmentos específicos desse público, devem possuir a capacidade de serem compreendidos por seus leitores. Nas empresas, isso não ocorre de forma diferente. Daí ser indispensável se encaminhar o texto em uma linha argumentativa eficaz/eficiente e construir uma produção textual que convença o auditório ao qual se destina. Visando a compreensão desse fenômeno, estudou-se, neste artigo, a construção do ethos e da situação enunciativa, o uso dos argumentos e dos elementos lingüísticos reveladores do discurso existentes em uma nota de uma revista empresarial. Para tanto, foi utilizado como aporte teórico pressupostos da Retórica/Nova Retórica e da Análise do Discurso de linha francesa.

Palavras-Chave: Retórica; Análise do Discurso; Comunicação Empresarial; Relações Públicas; Revista Empresarial.

 

Abstract

The texts of a certain time always lean over on subjects of specific interests of the public's in a general way or of specific segments of this and they should possess the capacity of they be understood by their readers. In the companies, that doesn't happen in a different way. Then they are indispensable to head the text in an efficient line argumentative and to build a textual production that it convinces the auditorium to which is destined. Seeking the understanding of that phenomenon, it was studied, in this article, the construction of the ethos and of the declarative (enunciative) state, the use of the arguments and of the elements linguistic disclosers of the existent speech in a note of a business magazine. For this matter, postulates of the following theories were used: the Rhetoric / New Rhetoric and Discourse Analysis (based on the French model).

Keywords: Rhetoric; Discourse Analysis; Business Communication; Public Relations; Business Magazine.

 

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Vive-se, na atualidade, um momento único: o mundo está globalizado, concretizou-se a profecia, feita nos meados do século XX, da “aldeia global” de McLuhan (MCLUHAN; FIORE, 1969: 95); outrossim, muitos direitos foram conseguidos no século passado e no início deste. Saber dessas conquistas e lutar por outras é uma atitude tida como politicamente correta. Iniciativa que se tornou mais fácil para o homem, uma vez que esse está inserido numa sociedade de comunicação, na qual as informações circulam com uma velocidade assustadora, pode-se até dizer que a circulação é simultânea ao acontecimento.

Nessa arena de debates, surge a necessidade de expressão e defesa de idéias e pontos de vistas, como também do agradar, do seduzir, do persuadir e do convencer os outros membros do grupo do qual se faz parte. Os textos, bem como os discursos circulantes, aparecem igualmente redargüindo a esses temas circulantes e inquietantes existentes no seio da sociedade. Também em resposta a essa hodierna demanda, regatam-se conhecimentos da Retórica, legada pelos gregos na Antiguidade Clássica. Um dos seus mentores, Aristóteles, conceituava esse campo do saber como sendo responsável pela “arte da comunicação, do discurso feito em público com fins persuasivos” (ARISTÓTELES, 1998: 22), arte que pode ser entendida como a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso em específico cuja finalidade seja persuadir.

Na visão de três estudiosos da Retórica, Meyer, Carrilho e Timmermans (2002: 50), a maior inovação impressa por Aristóteles está na “sistematicidade através da qual ele integra três elementos fundamentais do discurso”: o ethos – quem fala –, o lógos – argumento apresentado – e o páthos – a quem se dirige. Cada um desses desempenha um papel fundamental, que se complementa com o dos outros numa articulação complexa. A partir desses componentes, Aristóteles igualmente afirmou que a persuasão fornecida pelo discurso pode ser de três espécies: a que reside no caráter moral do orador, ou seja, no ethos; a advinda do modo como se dispõe o ouvinte, ou seja, focalizadas no páthos; e, por fim, a centrada no próprio discurso devido àquilo que este demonstra ou parece demonstrar, ou seja, no lógos.

Deter-se-á a atenção, neste estudo, apenas no primeiro desses casos de persuasão, por se entender que para atender às demandas contemporâneas da sociedade o orador / escritor deve imbuir-se de certas qualidades, ou melhor, para se conseguir persuadir pelo caráter, o discurso deve ser montado / proferido de forma a passar a impressão de que o orador é digno de fazê-lo. Aristóteles acreditava que o ser humano está sempre mais propenso a acreditar com maior firmeza e convicção e de maneira mais rápida em pessoas tidas como de bem e honestas – usando-se os valores de hoje em dia, essas seriam classificadas como competentes naquilo que elas fazem –, ou seja, um dos segredos da persuasão está no orador passar uma imagem favorável de si mesmo, imagem essa que deve seduzir o auditório e captar a benevolência e a simpatia deste. Essa representação do orador é o próprio ethos, equivalendo ao caráter que o orador atribui a si mesmo pelo modo como exerce sua atividade retórica com um tipo específico de fluência, de entonação calorosa ou severa, ou de escolha das palavras, dos argumentos (o fato de escolher ou de negligenciar um argumento em particular pode parecer sintomático de uma qualidade ou de um defeito), e até daquilo que não foi dito. O ethos funcionaria como um elemento que reforçaria a plausibilidade da argumentação exposta, o que não se deve tanto aos aspectos morais do orador, mas sim àquilo que é resultado do próprio discurso desse. Portanto, o que é vital, neste tocante, é que a confiança imputada ao orador seja um “efeito” do discurso desse.

Para que o ethos seja bem construído, a outra noção que lhe é correlata deve ser considerada, isto é, o páthos, ou melhor, o auditório. Este e o orador sevem para se referir, respectivamente, aos pólos de produção e de recepção dos discursos. Perelman e Olbrechts-Tyteca (2002: 7) advertem que “se quiser agir, o orador é obrigado a adaptar-se a seu auditório”. Portanto, sobre os conteúdos do discurso, o orador deve ter conhecimento sobre aqueles que o ouvirão para conseguir ter sucesso no seu intento persuasivo.

Acerca da argumentação, pode-se afirma que esta termina por, tal como o conhecimento do auditório, auxiliar na construção do ethos e igualmente foi foco de estudo da Antiga Retórica. No século XX, este tópico foi resgatado por Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, no Tratado da argumentação: a nova retórica, publicado pela primeira vez em 1958. Philippe Breton (1999: 26), outro teórico que se debruça sobre esse assunto, advoga que “argumentar é raciocinar, propor uma opinião aos outros dando-lhes boas razões para aderir a ela”. Partindo-se desse pressuposto, o orador pode utilizar mais esse componente que terminará por auxiliá-lo no seu intento persuasivo.

Passa-se a seguir à compreensão do que sejam os dois tipos relevantes de argumentos para a análise que se pretende empreender.

Iniciar-se-á com os argumentos conservadores, que são “todas as formas argumentativas que se apóiam na busca de elementos preexistentes no auditório”. Para tanto, “a argumentação se faz (...) pela encenação de uma ressonância entre o que já é conhecido e o que é proposto” (BRETON: 75-76), baseando-se no já adquirido pelos ouvintes e no previamente existente na sociedade, enfim, na tradição. Nesses argumentos, quase não há novidade no exposto. Consistindo, portanto, “em reavivar circuitos antigos (...), mesmo que a argumentação neste caso consista no estabelecimento de um novo vínculo entre a tese e o já aceito” (BRETON: 76).

Quanto ao outro argumento importante para a análise a seguir, tem-se o de autoridade, o qual, segundo Breton, possui uma forma constante: “o real descrito é o real aceitável por que a pessoa que o descreve tem a autoridade para fazê-lo. Esta autoridade deve ser evidentemente aceita pelo auditório para que ele, por sua vez, aceite como verossímil o que lhe é proposto”. Há três construções possíveis para esse tipo de argumento: “ou o orador apóia o enquadramento do real sobre sua própria autoridade, ou ele convoca um autoridade exterior”, ou ainda a apóia “em aspectos pouco conhecidos do próprio auditório para fazê-lo aceitar uma opinião” (BRETON: 77). 

Ainda alguns conceitos da Análise do Discurso devem ser expostos para que melhor se abarque o discurso / texto que foi analisado a seguir.

Todo discurso tem condições de produção específicas e estas são denominadas de enunciações, quando igualmente determinam a elocução de um discurso e não de outros, uma vez que se referem a “determinadas circunstâncias, a saber, o contexto histórico-ideológico e as representações que o sujeito, a partir da posição que ocupa ao enunciar, faz de seu interlocutor, de si mesmo, do próprio discurso etc.” (MUSSALIM; BENTES, 2001: 116).

Num discurso, também se deve identificar alguns personagens que se reportam ao orador. Partindo-se da visão de Ducrot (1987: 193), pode-se identificar o “sujeito falante” ou “autor empírico do enunciado” (produtor exterior ao sentido do enunciado), o “locutor” (“ser que, no próprio sentido do enunciado, é apresentado como seu responsável”, equivalendo ao “ser de discurso”) e há ainda o “enunciador” (ser de pura enunciação, que determina o ponto de vista a partir do qual os acontecimentos são apresentados, podendo ser denominado de “sujeito da enunciação”, ou seja, é um efeito do enunciado).

Se há figuras que são responsáveis pela produção do discurso, existem as que respondem pela recepção desses, são elas: “co-enunciador” (correlativo de enunciador, uma vez que a enunciação é igualmente uma co-enunciação, na qual dois indivíduos desempenham papéis ativos); “alocutário” (refere-se ao que se poderia denominar de “destinatário direto” do discurso, a eles o locutor atribui um “lugar” enunciativo); e “leitor” (seria um co-enunciador virtual, uma vez que o diálogo deste com o “escritor” / sujeito falante é mais da ordem informativa do que da ordem do lingüístico-comunicativo). Este último ainda pode ser considerado a partir de dois ângulos diferentes: (1) como o público efetivo de um texto, ou (2) como o público que esse texto implica por suas características, ou seja, os traços textuais permitem reconstruir uma representação que o “escritor” teve de criar daqueles que iriam ler o seu texto.

Sobre a subjetividade, Benveniste (1995) advoga que ela “é a capacidade do locutor para se propor como ‘sujeito’”. Também aponta as formas disponibilizadas pela língua para esse fim: o pronome “eu” – que é a própria consciência de si mesmo–; o pronome “tu” – que advém do contraste com o “eu” – (esses dois constituem a denominada “intersubjetividade”); as formas temporais; as indicadoras da dêixes e os verbos modalizadores conjugados na primeira pessoa.

Kerbrat-Orecchioni (1993) amplia esse inventário de marcadores de subjetividade ao acrescentar, aos já existentes, uma classificação que divide os adjetivos em “objetivos” – aqueles que visam apenas descrever – e “subjetivos” – formas indicadoras da subjetividade enunciativa, que se subdividem em: “afetivos” (elementos que terminam por enunciar, simultaneamente, uma propriedade do objeto que determinam e uma reação emocional do sujeito falante frente a esse objeto); “avaliativos axiológico” (que implicam uma dupla norma, relacionada ao objeto a que se aplicam e ao sistema de avaliação do enunciador, tendo o caráter valorativo mais destacado do que as características desse objeto);  e “avaliativos não-axiológicos” (cujo emprego depende da idéia que o enunciador faz da norma de avaliação adequada àquela categoria de objetos; sendo que, dos três tipos de adjetivos subjetivos supra descritos, esse último é o que tem o menor caráter subjetivo).

Sabe-se ainda que toda enunciação pressupõe uma situação de enunciação, que se refere “ao conjunto de condições que organizam a emissão de um ato de linguagem” (MAINGUENEAU; CHARAUDEAU, 2004: 450), ou seja, “todo enunciado se realiza numa situação definida pelas coordenadas espaço-temporais: o sujeito refere o seu enunciado ao momento da enunciação, aos participantes na comunicação e ao lugar em que o enunciado se produz” (DUBOIS et al., 1999: 168). Sobre a embreagem discursiva, essa estaria exposta nas marcas lingüísticas por meio das quais se manifesta a enunciação, visto que os enunciados têm como ponto de referência o próprio ato de enunciar, do qual são produto. Porém, só algumas características dessas marcas serão aqui levadas em consideração, aquelas que são definidoras da situação de enunciação lingüística, que são: enunciadores e co-enunciadores, o momento e o lugar da enunciação. Esses elementos formam a denominada embreagem textual à situação de enunciação, sendo apresentadas comumentes pelo “EU” e “TU” – embreagem de pessoa –, pelo “agora” – embreagem de tempo –, e pelo “aqui” – embreagem de espaço.

Sobre a questão do tempo, Benveniste apresenta a idéia de “tempo lingüístico”, cuja singularidade está neste ser “organicamente ligado ao exercício da fala, o fato de se definir e de se organizar como função do discurso (...) Cada vez que um locutor emprega a forma gramatical do “presente” (...), ele situa o acontecimento como contemporâneo da instância do discurso que o menciona” (BENVENISTE, 1989: 75-76). Pode-se dizer que todo discurso instaura um “agora”, que equivale ao momento da enunciação, o qual transcorre no tempo presente lingüístico, em que existe uma “concomitância” entre o evento narrado e o momento da narração; e um “agora” em que acontece a “não-concomitância”, a qual se divide em “anterioridade” e “posterioridade” ao “agora”.

Fiorin (2002: 145) afirma ainda que a temporalidade instaurada pela língua refere-se também às relações de sucessividade entre estados e transformações representados no próprio texto. Com isso, como chama atenção esse mesmo teórico (p. 146), pode-se notar que existem na língua dois sistemas temporais: o enunciativo - “relacionado diretamente ao momento da enunciação” (ME), organizado em função do presente que já está implícito na enunciação; e o enuncivo, “ordenado em função de momentos de referência (MR) instalados no enunciado”. A esses dois sistemas se devem aplicar as categorias de “concomitância” X “não-concomitância” (“anterioridade” X “posterioridade”) do “agora”, obtendo-se com isso três momento de referência: o concomitante, o anterior e o posterior ao instante da enunciação. Sabe-se que quando o momento de referência e o de enunciação são coincidentes, usa-se o sistema enunciativo. Mas, quando a produção e a recepção de um texto não acontecem simultaneamente, esse momento de referência tem de ser explicitado. Além dos momentos de enunciação e o de referência, tem-se ainda o do acontecimento (MA), o qual se refere aos estados e transformações e está ordenado em relação aos diferentes momentos de referência.

Para observar a construção do ethos e da argumentação usada com fins de convencimento discursivo, escolheu-se, como produção textual a ser analisada, uma nota de uma revista empresarial do Banco do Brasil S.A. – a bb.com.você – por se tratar de um texto jornalístico noticioso, de utilidade dentro e até fora da empresa, escrito de maneira impessoal e publicado sem assinatura, referente a um assunto tido como importante e relevante para o momento atual. Sento a notícia um tipo de matéria que, segundo Rabaça e Barbosa (1987: 418) refere-se a um “relato de fatos ou acontecimentos atuais, de interesse e importância para a comunidade, e capaz de ser compreendido pelo público. (...) tudo que o público necessita saber; tudo aquilo que o público deseja falar; quanto mais comentário suscite, maior é o seu valor”. Também foi escolhido esse perfil de texto jornalístico por se tratar de um texto comum na vida cotidiana das pessoas e sua importância em termos de conteúdo para o momento presente.

 

2. A NOTA (2005, p. 36)

        

 

3. A ANÁLISE PROPRIAMENTE DITA

O ethos construído, na nota da revista bb.com.você, é o de um setor da área da comunicação social, a Ouvidoria Interna, competente e ciente da sua responsabilidade junto ao seu público leitor – no caso aqui o leitor da revista em questão, ou seja, o funcionário do Banco do Brasil (BB) –, e que se mostra preocupado com os problemas que esse auditório pode atravessar no seu cotidiano profissional e no seu ambiente de trabalho. Observar-se-á a seguir como essa construção se processa tanto em nível lingüístico como em nível argumental. Inicia-se essa análise com os dados lingüísticos encontrados na própria produção textual.

O(s) enunciador(es), neste texto, sofre(ram) um quase total apagamento, quase porque, na linha 10, aparece um pronome possessivo (“nossa”) que o revela. No resto do texto, o locutor se expressa de modo impessoal, como um narrador que se utiliza da terceira pessoa para apresentar os fatos.

Portanto, notou-se que há um apagamento dos embreantes de pessoa do “EU” enunciativos. Isso ocorre de maneira proposital e se dá para conferir uma maior autenticidade à notícia. O uso desse recurso é muito difundido nas redações jornalísticas, bem como no meio científico, uma vez que isso confere às matérias uma maior credibilidade junto ao público leitor por parecer que foi realizado um relato independente de quem o apresenta, transparecendo, assim, uma pseudo-neutralidade em relação ao fato que está sendo apresentado. Esse fato ainda é mais reforçado ao se chamar a voz legal para atestar a veracidade do que está sendo exposto (l. 9-12).

Quanto aos co-enunciadores, são interpelados em várias partes do texto a partir do pronome “você” (l. 6, 7, 20, 22), que equivale hodiernamente ao TU, e os possessivos correlatos a esse pronome (“seu”, l. 8, e “sua”, l. 9). Esses também podem ser entendidos como alocutários ou como os leitores propriamente ditos.

Sobre os embreantes de espaço, ou seja, as palavras ou expressões que ancoram a situação enunciativa em nível espacial, tem-se o “aqui” (l. 21) que faz uma referência ao lugar em que tanto o redator / locutor quanto o alocutário estão, isto é, no solo brasileiro, isso se pode deduzir pela citação de uma Lei desse país (l. 10-13).

Pensando-se agora nos embreantes de tempos, aquelas palavras ou expressões que ancoram a situação enunciativa em nível temporal, esse texto possui apenas os tempos verbais para o marcar.

Acerca desses tempos verbais plenos – aqueles referentes ao modo indicativo – (tabela 1), pode-se igualmente afirmar que os enunciados foram produzidos no presente dêitico que permite situar a enunciação entre passado (fatos anteriores àqueles que estão sendo apresentados) e o futuro (acontecimentos posteriores àqueles que estão sendo relatados). Esse presente organiza a situação de enunciação como se essa transcorresse no ato de enunciação, ou seja, os tempos verbais, nesta produção, estão relacionados ao sistema enunciativo, o qual remete diretamente ao momento da enunciação, mas esses verbos foram instaurados no momento de referência (MR) presente que vai do momento do acontecimento (MA) em que o enunciador escreve a nota até o momento em que o co-enunciador o lê. O momento de referência é mais longo que o da enunciação, entretanto, é simultâneo também a este, em algum instante dessa prolongada faixa de tempo.

Vale salientar que foram colocados numa tabela (a número 2) os semitempos que só expressam aspectos quando ligados aos tempos plenos que lhes determinam a situação comunicativa (KOCH, 2000: 41-42). Com isso, igualmente, contribuem para a embreagem temporal do discurso, reforçando o mesmo resultado da tabela 1. Deve ser dito ainda que para representar essa situação peculiar, foi usado o seguinte procedimento: a forma plena entre colchetes e a linha citada é a do semitempo.

Uma ressalva deve ser feita: no período “Por isso, caso (...) Ouvidoria Interna” (l. 20-21), há três verbos conjugados no presente do subjuntivo; neste enunciado, eles exprimem uma apreciação hipotética sobre a situação de que se fala, não estando ligados, em termos de limite sentencial, a nenhuma forma verbal plena, pois a oração principal não foi atualizada. Esses semitempos se ligarão à forma plena do enunciado anterior, o que não prejudica o entendimento do parágrafo, uma vez que o co-enunciador consegue interpretá-lo sem nenhum problema.

Tabela 1 – Tempos Plenos – Sistema Enunciativo

SISTEMA ENUNCIATIVO

Concomitância MR Presente

Linhas

Concomitância MA Presente

parte (7); é (8, 9, 10, 18); vira (8); insiste (9); diz (10); indicam (14); são (14, 19, 22); denunciam (15); repelem (19); precisa (22)

Não-Concomitância

Posterioridade MA Futuro

será (22)

Tabela 2 – Semitempos – Sistema Enunciativo

SISTEMA ENUNCIATIVO

Concomitância MR Presente

Linhas

Concomitância MA Presente

[é] abordado (6); [pode] estabelecer (7); [insiste] obter (9); [é] constranger (11); [é] obter (11); [é] prevalecendo-se (12); [denunciam] serem ridicularizadas (15-16); [denunciam] temerem (16); [denunciam] saberem (16); [denunciam] fazer (16-17); [é] dada (18); [é] configurar (19); [é, são] seja (20); [é, são] necessite (21); [é, são] hesite (21); [é, são] procurar (21); [são] encontre (22)

 

Feitas essas ponderações sobre a embreagem de tempo, pode-se concluir que, apesar da aparente objetividade existente nesta nota, há um “EU” representando a voz da Ouvidoria Interna que se dirige a um “TU” apontado como o público leitor dessa publicação, a qual mobiliza um dêitico espacial – “aqui”(l. 21) – e as marcas de tempos presente dos verbos (tabelas 1 e 2).

Sobre os adjetivos e as locuções adjetivas encontradas (tabelas 3 e 4), observou-se a não existência de ambos os componentes gramaticais supracitados com valoração afetiva, provando mais uma vez a tentativa de suprimir a subjetividade enunciativa. Notou-se também que há cinco registros de adjetivos avaliativos axiológicos e dois de não-axiológicos. Essas marcas qualificadoras demonstram a presença subjetiva do enunciador, uma vez que esses tipos de qualificadores estão diretamente relacionados ao sistema avaliativo desse sujeito. A presença maciça de locuções adjetivas descritivas e a de nove registros de adjetivos com esse valor apontam, como já foi ressaltado, para a tentativa de impessoalizar o enunciador textual, ou seja, tenta-se apresentar o discurso da forma mais objetiva possível, mesmo que essa meta seja traída minimamente pelo uso de algumas palavras ou expressões também já expostas acima.

Tabela 3 – Classificação dos Adjetivos

CLASSIFICAÇÃO
DOS ADJETIVOS

LINHAS

Objetivos / Descritivos

sexual e variações (4, 6, 8, 11, 15, 19); não (9); Penal (13); alvo (20)

Avaliativos não-axiológicos

interna (2, 21); assédio (9); mais vulneráveis (14); claras (19)

Avaliativos axiológicos

grosseira (6); importante (18)

Tabela 4 – Classificação das Locuções Adjetivas

CLASSIFICAÇÃO DAS LOCUÇÕES ADJETIVAS

LINHAS

Objetivos / Descritivos

de constrangimento (10); de superior hierárquico ou ascendência (12); [de]  ascendência (12); de emprego, cargo ou função (13); [de] cargo ou função (13); [de] função (13); de conduta (19)

 

Após essa análise dos dados lingüísticos, passa-se à dos argumentos e das estratégias comunicativas utilizadas para a construção do sentido e do ethos.

No primeiro enunciado do texto, os locutores expressam a sua preocupação com o seu auditório, ou seja, com o seu público-alvo – funcionários do Banco do Brasil, segmento para o qual a revista é editada / publicada –, ao definirem o que é assédio sexual. Para solidificar essa “preocupação”, utilizam um argumento conservador, o qual se apóia em elementos preexistentes no próprio auditório, baseando-se em uma idéia já aceita sobre o assunto, prestando-se assim apenas a reativar o circuito de pontos de vista antigos, uma vez que as pessoas em geral concordam com o que é exposto. Neste mesmo parágrafo, há a voz da lei, citada ipsis litteris, exposta em discurso direto, a qual representa a autoridade máxima de um país, constituindo assim uma argumentação por autoridade. Ainda neste parágrafo, também é solicitada outra autoridade da sociedade contemporânea: as pesquisas, que apresentam dados que não são questionados. 

No segundo parágrafo, retorna-se ao argumento conservador apenas para esclarecer a posição do Banco frente ao assunto.

Notou-se que esse texto, em sua totalidade, é construído de forma hipotética. Isso é facilmente comprovado ao se verificar os três registros de conjunções com caráter condicional (“se”, l. 6-7, e “caso”, l. 20), e os verbos no modo subjuntivo (l. 20-21), já supracitados.

Tudo foi colocado, nesta produção, para tornar os funcionários convictos da sua importância na empresa, bem como convencê-los de que são o público razão deste Setor – a Ouvidoria Interna do Banco do Brasil – existir. Com isso, chega-se ao discurso de um Ombusman, o qual, aqui, é uma mescla do jornalístico – ao noticiar as preocupações hodiernas circulantes nas empresas – com o administrativo, sendo que este foco termina por construir um ethos mais adequado a um profissional dessa área na atualidade, ou seja, o de um profissional preocupado com o bem-estar dos seus colaboradores internos, razão da sua existência nas instituições. 

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a análise empreendida, observou-se que, na produção textual escolhida, foi construído o ethos que encarna o perfil de um profissional da área da Ouvidoria Empresarial competente e ciente da sua responsabilidade junto ao público com o qual trabalha, bem como também foi edificado o ethos de uma empresa (instituição que está por trás do discurso apresentado na nota em questão) que se preocupa com o seu colaborador interno, daí se ter criado essa área. A empresa busca a valorização e o acesso à informações desse público através de um veículo de comunicação interna da organização que auxilia também o trabalho / empenho do setor de Ouvidoria, o qual visa melhorar as relações dos funcionários entre si e com a empresa.

Portanto, o que foi observado é que o ethos do Banco do Brasil é o de uma organização que recruta profissionais que estejam conscientes de suas funções, como é o caso da equipe de funcionários que compõem a Ouvidoria Interna, bem como é também o de uma empresa cujo traço predominante seria o senso de equipe, de corporação, não desprezando o ser individual nem os problemas e preocupações que possam afligi-lo por estar inserido numa comunidade.

Pode-se ainda afirmar que esse ethos que foi construído serve, de forma preponderante, para persuadir o co-enunciador do discurso, sendo elaborado a partir tanto das escolhas lingüísticas quanto da dos argumentos.

Conclui-se igualmente que análises deste porte podem auxiliar os profissionais do Curso de Letras, uma vez que esses lidam com a produção e recepção de textos em geral, assim como os da área da Comunicação Social (CS), já que conferem, aos que desempenham essa atividade, uma maior consciência do uso adequado de ferramentas que agreguem valor persuasivo às idéias apresentadas em suas produções textuais. Podendo ainda ajudar na prática dos administradores, principalmente os da área de recursos humanos, uma vez que saberão como atingir seus colaboradores internos e os problemas que os afligem.

Pode-se, então, afirmar que os textos da área empresarial, como o que foi analisado neste artigo, são um rico material de estudo não só para os profissionais da CS como também para os de Letras. Saber como eles são elaborados e como devem ser lidos, principalmente, usando-se as pistas neles deixadas pelo enunciador, são tarefas comuns a esses profissionais – um tendo consciência do que está produzindo e o outro tendo capacidade de ler este tipo de material –, convocando conhecimentos para os quais este breve estudo oferece uma pequena contribuição.

 

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