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O crítico/cronista Joaquim Manuel de Macedo: um Velho no Rio de Janeiro

Alexandra Santos Pinheiro (IEL/Unicamp)[1]

 

Resumo : o objetivo do presente artigo consiste em apontar as manifestações críticas, literárias e teatrais, extraídas das crônicas que Joaquim Manuel de Macedo publicou na Revista Popular, periódico idealizado e editado por Garnier, que circulou no Rio de Janeiro, no período de 1859 a 1862, sendo substituído no ano seguinte pelo Jornal das Famílias, de maior duração – 1863-1878. Vale enfatizar que o texto estrutura-se a partir da análise das intervenções críticas do autor, e que não entraremos no mérito das crônicas, delas discutiremos tão somente a crítica teatral e a literária.

Palavras-chave:análise, jornal, Macedo, crítica.

Abstract : the objective of the present article is to analyse the critical, literary and the theatrical manifestations of the chronicles which Joaquim Manuel de Macedo published on Revista Popular, a journal idealized and edited by Garnier, which was published in Rio de Janeiro from 1859 to 1862 being replaced in the next year by Jornal das Famílias, which was published for a longer period (1863-1878). It’s important to emphasize that the text is structured from the analysis of critical interventions from the author and that the chronicles won’t be analysed, that is, the analysis will be limited only to the literary and theatrical reviews.

Key-words : analysis , newspaper, Macedo, criticism.

O crítico/cronista Joaquim Manuel de Macedo: um Velho no Rio de Janeiro

Lembremos que lhe cabe a glória de haver lançado a ficção brasileira na senda dos estudos de costumes urbanos, e o mérito de haver procurado refletir fielmente os da sua cidade. O valor documentário permanece grande, por isso mesmo, na obra que deixou (Candido, 1993, p. 145).

O objetivo do presente artigo consiste em analisar as manifestações críticas, literárias e teatrais, extraídas das crônicas que Joaquim Manuel de Macedo publicou na Revista Popular, periódico idealizado e editado por Garnier, que circulou no Rio de Janeiro, no período de 1859 a 1862, sendo substituído no ano seguinte pelo Jornal das Famílias, de maior duração – 1863-1878. Vale enfatizar que o texto estrutura-se a partir da análise das intervenções críticas d´O Velho,[2] e que não destacaremos a estrutura das crônicas,[3] delas discutiremos tão somente a crítica teatral e literária.

Apesar de propor a valorização da literatura nacional, com artigos de Joaquim Norberto e Cônego Fernandes Pinheiro, a Revista Popular, acompanhando uma tendência de sua época,[4] é fortemente marcada pela publicação da literatura francesa, quer seja nos poemas, nas peças teatrais, nos romances, ou mesmo na tradução de textos científicos. Nos textos de Macedo, por exemplo, percebemos uma constante comparação entre o perfil cultural europeu e o brasileiro, principalmente no que diz respeito à apreciação teatral. O escritor romântico questiona a pouca “sensibilidade” de seus contemporâneos brasileiros para a arte teatral em detrimento da capacidade de apreciação dos franceses.

Ao publicar crônicas que retratam tanto o perfil literário quanto o social do Rio de Janeiro, o autor do “adocicado” A Moreninha (1844) e do “abolicionista” As Vítimas Algozes (1869), nos anos de 1861 e 1862, provoca, a partir das críticas infiltradas em suas crônicas, polêmicas sociais e literárias, principalmente quanto ao gênero teatral, quando acusa os moradores do Rio de Janeiro de serem incapazes de apreciar essa modalidade artística. A leitura desses textos também apresenta uma face do autor que o diferencia do estereótipo de “escritor para mocinhas”.

Desde 1857, Joaquim Manuel de Macedo dedica-se intensamente à crônica, mas em 1861 essa atividade amplia-se ainda mais. De acordo com Tânia Rebelo Costa Serra, em 1861, Macedo era cronista de duas colunas diferentes do Jornal do Comércio: “A semana” e “Crônica da semana” (Serra, 1994, p. 104). Entretanto, a pesquisadora não destaca em seu livro que no mesmo ano, 1861, o autor substitui o cronista da Revista Popular, José Carlos do Rozario, até o encerramento do jornal, em 1862. É nessas crônicas que Macedo intensifica mais o discurso realista que Antonio Candido, com olhar depreciativo, observou em seus romances:

Se a vocação coloquial de Macedo serviu para estabilizar a sua obra, graças a um pequeno realismo que o tornou sensível às condições sociais do tempo, ela reforçou, por outro lado, a sua mediocridade. Aceitou os tipos que via em torno, sem maior exigência artística (1993, p. 140).

Em contrapartida, Tânia Serra defende que, a partir de 1862, a “mediocridade” apontada por Candido será amenizada graças à publicação de Os miseráveis, cujo autor foi o maior influenciador de Macedo. Se antes a estudiosa observava a crítica social no texto do escritor romântico, em suas produções posteriores ao citado romance francês, suas críticas serão mais contundentes (SERRA, 1994, p. 113).

Baseada na teoria do nacionalismo, a crítica literária se estabelece no Brasil com o Romantismo. Na Formação da Literatura Brasileira, encontramos os objetivos e as posições dos críticos românticos. Apesar de singelos ou “medíocres”, Antonio Candido acredita que devemos reconhecer que foram os críticos do século XIX que procuraram interpretar e construir a história da literatura brasileira (Cf. Candido, 1993, p. 329).

Segundo as posições de Ferdinand Denis, que defendia uma literatura independente para o Brasil, os escritores deveriam contemplar as características do meio, das raças e dos costumes próprios do país. Neste sentido, Denis considerava o índio, o brasileiro mais legítimo. Finalmente, reconhecia a existência de uma literatura brasileira anterior, identificando, assim, quais os escritores que anunciaram as correntes adotadas pelos literatos do Século XIX. (Cf. Candido, 1993, p. 330).

A partir das posições estabelecidas por Denis, os escritores passaram a escrever não apenas suas obras, mas também a própria história da literatura brasileira. Com o propósito de construir ou defender uma literatura nacional, buscando, muitas vezes, entre os primeiros habitantes da terra a raiz dessa literatura, Gonçalves de Magalhães, Pereira da Silva, Joaquim Norberto Sousa e Silva, Santiago Nunes Ribeiro e Silvio Romero, entre outros, formam o alicerce da crítica brasileira. Tânia Rebelo Costa Serra acredita que Macedo, graças a um sentimento de “nobre missão”, também deve ser incluído na lista dos intelectuais que contribuíram para a construção da história literária brasileira:

A nobre “missão” de que nos fala o romancista é a de levar a glória à literatura, missão para a qual os jovens românticos caboclos e de além-mar achavam-se destinados, qual vates que prenunciam novos tempos. A ideologia da individualidade, preconizada na nova estética romântica, permite a mobilidade de classes e a idealização de uma nova sociedade sem injustiças ou grandes disparates sociais (Serra, 1994, p. 34).

Nascido em 1820, no Rio de Janeiro, Joaquim Manuel de Macedo foi um típico intelectual multifacetado do século XIX, não apenas por sua contribuição para a formação de uma literatura nacional, como também pelos vários cargos que exerceu no decorrer de sua vida: professor de História e Geografia no Colégio Pedro II, deputado pela província do Rio de Janeiro, membro do Conselho Diretor da Instituição Pública na Corte, Sócio do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, Cavaleiro da Ordem da Rosa, Comendador da Ordem de Cristo e Patrono da Cadeira n. 20 da Academia Brasileira de Letras. Mesmo desempenhando todas essas funções, o escritor dedicou-se com afinco à produção literária, nos gêneros poesia, conto, romance, teatro e crônicas, de onde extraímos as manifestações críticas que analisamos a seguir.

A leitura das manifestações críticas seguiu uma ordem determinada. Assim, no intuito de atingir maior clareza na análise dos textos críticos extraídos da Revista Popular, haja vista que os mesmos ainda não foram lidos como objeto de pesquisa pelos estudiosos de Macedo, separamo-los por tomos, obedecendo à seguinte ordem: 13, 14, 15, 16, do ano de 1862, último ano de circulação da revista; e por tema - literário e teatral.

A primeira manifestação crítica literária selecionada (Revista Popular. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1862, t. 13, p. 256) trata da divulgação da obra Compendio de Grammatica Portugueza, dos autores Vergueiro e Pertunce. Como é comum nas divulgações de obras pelos críticos do século XIX, Macedo não apresenta as características do livro, apenas salienta seu pouco conhecimento da Língua Portuguesa: “[...] sou por certo bem fraco juiz na matéria, e ainda assim não hesitaria em entrar em uma apreciação menos incompleta desse livro” (MACEDO, 1862, t. 13, p. 256), e elogia o caráter dos autores da obra resenhada.

No quinto capítulo da obra Joaquim Manuel de Macedo: a luneta mágica do II Reinado, de Tânia R. C. Serra, encontramos uma observação da autora que reafirma a declaração de Macedo, qual seja:

Não esqueçamos da existência da teoria da “língua brasileira” [5] apoiada por Alencar [...]. Se é verdade que Macedo pertence ao grupo que defendia o emprego do coloquial brasileiro na língua escrita, então estariam explicados vários “erros”. O fato é que, embora se desculpe publicamente em seus prefácios e justifique-se dizendo amar mesmo suas criações “feias”, como se ama um filho, deve ter sido bastante criticado por seu “relaxamento” sintático-gramatical (SERRA, 1994, p. 105).

Retomando o texto de Macedo, observamos, ainda na divulgação do Compendio de grammatica portugueza , uma outra tendência dos críticos românticos, a de julgar a qualidade da obra pela moral de seu autor. Ao encerrar a apresentação da obra, Macedo insiste mais uma vez na importância de se ter a língua brasileira como objeto de maior relevância para a consolidação da história nacional, enfatizando que apenas intelectuais “íntegros”, como os autores do Compêndio, poderiam valorizar a língua portuguesa.

Na apresentação da obra literária Os Mysterios da Roça, de Vicente Felix de Castro, que, segundo Marlyse Meyer, é uma imitação do romance francês Os mistérios de Paris (1844), de Eugène Sue, observamos a mesma tendência. Ao divulgar a obra de Felix de Castro, Macedo não faz a comparação do romance brasileiro com o romance francês, apenas pede aos leitores que leiam a obra para compreenderem a análise aprofundada que ele faria na crônica seguinte, o que não acontece, pois Os mistérios da roça sequer são mencionados.

No decorrer de sua crítica, o autor explica o porquê de seu gosto por romances, em especial, pelo de Felix de Castro:

Gosto ainda de romances apesar de Velho, e sou um roceiro pelo berço, pelos hábitos, e até por certas esperanças de um futuro tranqüilo, que em Deus espero me sejam dado gozar. Eis aí duas poderosas razões que me vão fazer devorar o romance, cujo título acabo de mencionar ( MACEDO, 1862, t. 13, p. 256).

Como podemos sintetizar, os dois motivos que fazem com que Macedo, O Velho, leia o romance são o seu gosto empírico pelo gênero e o fato de ser um roceiro, não apresentando nenhuma reflexão acerca da estrutura e do conteúdo da obra resenhada.

No tomo 13, o autor divulga mais uma obra, Marília de Dirceu, de Tomás A. Gonzaga. Para a apresentação da obra, Macedo destaca a popularidade da obra de Gonzaga:

A Marília de Dirceu já é muito conhecida do público, e não há quem não saiba de cor algumas das liras do mimoso e suave namorado de Vila Rica e do triste prisioneiro da Ilha das Cobras; mas apesar disso a nova edição d´essas liras recomenda-se por muitos e novos títulos, que a devem fazer muito procurada (1862, t. 13, p. 319).

Ressalta a importância de Joaquim Norberto de Sousa e Silva na nova edição do livro, pois o literato escreve um prefácio com as “mais curiosas” notícias sobre a vida de Gonzaga. Lembremos que uma outra tendência da crítica romântica era a de que o estudo da biografia ficava em primeiro plano em relação à obra propriamente dita, e que Joaquim Norberto, também colaborador da Revista Popular, tem o mérito de ter sido um importante biógrafo dos árcades brasileiros.

Já no tomo 14, a única manifestação crítica selecionada refere-se à resenha da obra Lyrica Nacional, publicada pela Biblioteca Brasileira. O livro constitui-se de “cantos e composições poéticas” de autores nacionais; além dos poemas, há um artigo em prosa intitulado “Estudo sobre a nacionalidade da literatura”, sem identificação de autor.

Apesar de ser um parecer maior do que os selecionados no tomo 13, Macedo não cita o nome dos poetas que participaram da obra, apenas indica a sua leitura por tratar-se de “cantos suavíssimos ou arrojados, belas inspirações que recomendam os nomes de seus autores” (1862, t. 14, p. 234), mas quais autores? Ao final da divulgação, o Velho cita o nome de Quintiniano Bocaiúva (1836-1912) que, em 1862, inicia sua carreira de diretor da Biblioteca Brasileira:

[...] desejando paciência e constância ao distinto literato que empreendeu a publicação da Biblioteca Brasileira, obra radiante de patriotismo, e pela qual merece muitos elogios o Sr. Q. Bocayuva.

Todos os nossos escritores devem concorrer para esses livros de todos eles, livros que podem dar uma idéia da nossa riqueza literária.

Muitos nomes há que não aparecerão na Lírica Nacional, mas certamente irão registrar-se nos folhetos seguintes (1862, t.14, p. 235).

Antes de consultar a Enciclopédia de Literatura Brasileira, organizada por Afrânio Coutinho e Galante de Souza, poderíamos interpretar as palavras de Joaquim Manuel de Macedo como um elogio a alguma poesia de Bocaiúva publicada na obra em questão. Entretanto, pelas informações obtidas na Enciclopédia, percebemos que se trata de uma adulação ao novo diretor da Biblioteca Brasileira, cujo maior mérito deve ter sido o de autorizar a publicação do livro.

Obviamente, foi interesse político o que fez com que Macedo citasse o nome do diretor, ao invés de elencar os nomes dos poetas que participaram dessa coletânea, mas essa artimanha de adular o “poder” não se restringia a Macedo; Machado de Assis e José de Alencar, dentre outros, também souberam “bajular” com a mesma elegância.

Macedo finalmente apresenta um texto literário um pouco mais consistente no tomo 15; o autor dedica quatro páginas à obra Flores e Frutos, do poeta Bruno Seabra (1837–1876). No entanto, percebemos que ao dar um parecer negativo, ele se sente constrangido e imediatamente procura destacar uma qualidade do poeta ou romancista.

O primeiro comentário é de cunho biográfico, o crítico/cronista descreve a vida difícil do poeta, o seu esforço para pagar seu estudo, a falta de ajuda. Contudo, o livro, segundo ele, é cheio de alegrias, “embora tenha sido escrito por quem vive realmente sofrendo” [6] (1862, t. 15, p. 122).

Na página 123, Macedo inicia uma discussão estética e temática da obra. Ressalta que o livro é dividido em três partes, sendo elas “Aninhas”, “Lucrecias” e “Dispersas”; todas cantam o amor e as flores, mas que alguns pontos deixam escapar “um rápido testemunho da vida trabalhosa e pouco feliz” de Bruno Seabra.

Em seguida, o crítico destaca que a parte intitulada “Lucrecias” não apresenta respeito à moral; pelo contrário, as idéias do autor são livres, dando margem a interpretações venenosas. Uma outra manifestação crítica é introduzida pelo seguinte comentário que, na realidade, mais nos parece um pedido prévio de desculpas:

Além d’este reparo quero fazer uma censura bem séria ao Sr. Bruno Seabra: e note ele que não é crítica, é censura deveras. A um poeta noviço e de futuro duvidoso, e de inspiração questionável, não me lembraria de oferecer as observações que vou enunciar em duas palavras: mas o Sr. Bruno Seabra não está nesse caso: é um homem que pode escrever, e eu quero tomar-lhe contas pelo que não escreveu (1862, t. 15, p. 123).

As “censuras” e não “críticas”, como deseja Macedo, que seguem essa exaustiva explicação são referentes à falta de pensamento filosófico e patriótico nos poemas do jovem autor. Sendo Seabra nascido no Pará, o crítico considera ser sua obrigação cantar o Amazonas e o Tocantins, como faria um verdadeiro amante de sua pátria.

Feitas as “censuras”, Macedo dispensa elogios ao poeta, como se desejasse reforçar a introdução das críticas. Revela que há muito tempo não lia um livro de poemas que lhe encantasse tanto pelo que ele “tem em si, e pelo que promete para o futuro”. Finalmente, recomenda-o aos seus leitores pelas seguintes qualidades encontradas na obra: “[...] inspiração; facilidade de metrificação; estudo e conhecimento da língua; originalidade” (1862, t 15, p. 124).

As duas últimas manifestações críticas selecionadas do tomo 15 demarcam mais uma vez os ideais de moral e patriotismo de Macedo. O primeiro encontra-se na forma como o autor faz a divulgação da tradução da obra Educação das meninas, de Fenelon; realizada pela “sra. D.” Anna E. Lopes Cadaval. Como afirma Macedo, é “digno de uma senhora o zelo generoso e nobre pelo seu sexo”. Já o ideal patriótico está, mais uma vez, na divulgação de um Estudo da gramática portuguesa, realizada por José Ortiz. Seria redundante adentrar na discussão que Macedo faz dessa obra, porque o posicionamento do crítico é o mesmo adotado na apresentação dos Compêndios de Gramática Portuguesa.

A primeira manifestação crítica literária extraída do tomo 16 refere-se a um importante nome do Romantismo Brasileiro, Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882). Macedo, que o via com “bons olhos”, considera pecado grave esquecer de dedicar umas páginas da “crônica da quinzena” ao ilustre intelectual. O crítico da Revista Popular apela para o aspecto ultra-romântico das composições de Magalhães; conforme argumenta, não existe quem ouça as poesias de Magalhães sem que derrame lágrimas.

A introdução laudatória antecede a apresentação do livro Urânia e vem recheada de adjetivos, tais como: “ilustre”, “cantor”, “patriota”, “pai”, “estimado”, “aplaudido”... Observamos a insistência em convencer aos leitores da compra e da leitura da obra, mesma argumentação utilizada na resenha do romance Os mistérios da roça. Contudo, enquanto na divulgação do romance Macedo apela para a importância do conhecimento da cultura da roça que a obra oferece, na divulgação dos poemas de Magalhães, recorre à personalidade consagrada do autor e de maneira romântica, O Velho ressalta que o livro, ao qual “o ilustre poeta acaba de dar a luz”, é consagrado a Urânia - “preciosa grinalda, na qual cada uma das flores representa o amor” (1862, t. 16, p. 58).

Quando acreditamos que o crítico vai fazer uma análise mais profunda dos poemas, encontramos a mesma desculpa dada nas críticas ou apreciações anteriores. Notemos a seguir o parágrafo que nos faz acreditar no início de uma crítica menos superficial e, em seguida, vejamos a quebra dessa expectativa:

Mas o poeta não quer nem pede triunfos nem glória aos homens; embebe-se todo no sentimento que todo o ocupa e domina, canta o seu amor pelo seu amor; o seu triunfo pelo seu triunfo e a sua glória é um sorriso de urânia, e aos seus pés de urânia somente vão depositar-se as palmas dos seus triunfos [...].

Um juízo crítico sobre este livro exigiria longas apreciações, que não cabem nos limites da minha “crônica da quinzena” (1862, t. 16, p. 59).

Após uma brevíssima observação sobre a difícil tarefa de ser simples nas composições poéticas, Macedo encerra bruscamente seu parecer, convicto que já não se encontra mais em pecado: “Concluo recomendando a leitura da Urânia” (1862, t. 16, p. 60).

A próxima manifestação crítica trata de um outro importante nome do Romantismo, Luís Carlos Martins Pena (1815-1848), introdutor do teatro de costumes no Brasil. Quando O Velho escreve esse texto, Martins Pena já havia falecido há quatorze anos; por isso, inicia chamando o dramaturgo de “o defunto Pena”. Porém, o que nos chama a atenção não é a forma como o escritor inicia seu discurso, mas sim o objetivo que ele pretende atingir ao citar Os irmãos das almas: sua crítica está voltada para a recepção do público e não para o autor, como ocorre nas anteriores.

Macedo não recomenda a leitura da comédia, apenas questiona a sua recepção negativa: “Provavelmente houve quem acusasse de exagerado o bom autor dramático, e dissesse que ele carregara a mão na pintura que fez dos pedintes de opa e bacia” (1862, t. 16, p. 123). O escritor discorda dessa crítica e acrescenta que, após quatorze anos da morte de Martins Pena, apenas um fato mudou, ou “progrediu”, o uso de guarda sol para proteger o “irmão das almas”. [7] È claro que Macedo não utilizou a opinião do público como crítico literário preocupado com a recepção da obra, mesmo porque isso só ocorre efetivamente a partir dos anos 60 do século XX. Todavia, O Velho usa a literatura para questionar sua sociedade, fato que ocorrerá em outros textos do autor.

Chegamos às últimas páginas da Revista Popular e, conseqüentemente, às últimas crônicas do Velho. A maior parte delas é dedicada ao calor excessivo do Rio Janeiro, um tema fraco, na concepção do próprio autor, mas que mereceu, em sua introdução, referência ao nome consagrado de Victor Hugo. Com sua linguagem astuta, também característica de nossos românticos, lembra aos leitores que consideram o tempo um assunto fraco para ser discutido em uma crônica que um livro, para ser considerado bom, depende muito mais de quem o escreveu do que do seu conteúdo.

No intuito de comprovar sua teoria, cita os esgotos de Paris retratados nos Miseráveis. Apesar de repugnante, não “houve quem não aplaudisse essas páginas do romance social do grande poeta”. Sendo assim, se Victor Hugo pode poetizar tão bem o esgoto, Macedo dá-se o direito de dedicar longas páginas do periódico ao calor do Rio de Janeiro.

Em uma dessas crônicas aproveita para manifestar a sua decepção para com o povo que, em sua maioria, despreza a arte dramática. Segundo o escritor, o público dá a seguinte justificativa para evitar o teatro: “Faz muito calor de abafar, e é por isso que as famílias preferem ir tomar sorvetes na rua Direita, passear na do Ouvidor e no Jardim Público, a ir tomar suadores nos teatros” (1862, t. 16, p. 363).

Como foi exposto anteriormente, o objetivo desse trabalho é lançar mão das crônicas do autor romântico publicadas na Revista Popular, para extrair delas manifestações críticas sobre literatura e teatro, mostrando que, além de romancista, poeta, cronista, dramaturgo, Macedo também se preocupou com o que estava acontecendo com as letras de seu tempo.

Mas voltamos às críticas e destacamos, agora, algumas críticas teatrais encontradas nos textos que Macedo escrevia para a “Crônica da Quinzena”. O primeiro comentário escolhido é feito em sete linhas. Transcrevemo-lo na íntegra no intuito de mostrar que o autor já não estava contente com a arte dramática do Rio de Janeiro; a insatisfação de Macedo era também decorrente do descaso do público e do governo em relação ao teatro. Eis a crítica:

Dos nossos teatros darei desta vez somente notícias telegráficas.

“Teatro de São Pedro de Alcântara”: está em martírios da Germânia.

“Ginásio Dramático”: lagrimeja abençoadamente.

“Teatro de São Januário”: meteu-se na probidade, e prepara-se para entrar em trabalho e honra.

E não há mais que acrescentar (1862, t. 13, p. 256).

Percebemos que o objetivo de Macedo é criticar a falta de produção artística dos três principais teatros do Rio de Janeiro. Esse comentário é mais bem desenvolvido pelo escritor nas páginas 318 e 319, quando lamenta que o “único recurso da população” da capital esteja em permanente falta de atrações, já que dos três teatros, apenas o Ginásio Dramático começava a ser ativado com a apresentação da comédia Tipos da Atualidade, de Joaquim José França Júnior (1838-1890). Como ressalta Afrânio Coutinho, essa comédia ficou mais conhecida por Barão de Cutia.

Após destacar a opinião da imprensa sobre a peça, O Velho dá o seu parecer, enfatizando que, apesar de se tratar de uma fraca comédia, tem o seu merecimento pela tenra idade do autor. Como nas críticas literárias, a qualidade do texto teatral é observada pela moral e pela honra de seu autor. Tal moral é confirmada pela presença dos colegas de França Junior na estréia da peça, que o aplaudiram com entusiasmo. Essa atitude possibilitou a Macedo a seguinte reflexão sobre os jovens de sua época:

Mostrarão que em seus corações não se aninha a inveja, esse mesquinho e vil sentimento, que tantas vezes mal se esconde nas ações e nas palavras dos homens de idade madura, que não perdoa os triunfos dos oficiais do seu ofício. Isto quer dizer alguma coisa e faz honra à mocidade (1862, t. 13, p. 319).

Percebemos que Macedo aproveita o ensejo para mandar uma resposta às críticas que recebia de seus contemporâneos; ao mesmo tempo, defendia-se dos comentários negativos que recebia, chamando seus adversários de invejosos: “que tantas vezes mal se esconde nas ações e nas palavras dos homens de idade madura”.

Se nas críticas anteriores, os administradores eram os responsáveis pela decadência dos teatros, na página 127, do tomo 14, o foco será mudado para o público, que não possui sensibilidade para assistir a uma apresentação. No dia 30 de Março de 1862, o mais famoso ator do segundo reinado, João Caetano dos Santos, protagoniza a tragédia Cina (sic), composição dramática da antiga escola clássica, sob o olhar de D. Pedro II. Apesar do talento de João Caetano, o pequeno público tem o seguinte comportamento: “[...] o ato passa para muitos despercebido, e mais de um espectador cochila, esfrega os olhos, boceja e murmura por entre os dentes: ‘Que maçada!’”.

Ironicamente, Macedo culpa o mau tempo pelo pouco número de espectadores e pela falta de percepção artística dos mesmos; lamenta: “paciência: o mundo é assim mesmo”. É também o Ginásio Dramático que abre as portas para o drama Consciência, de Alexandre Dumas, que teve, segundo o crítico, maior recepção do público.

Na página 255, anuncia a apresentação de mais duas peças teatrais no Ginásio e uma esperança para a Literatura Dramática Brasileira. Destas peças, é o drama Um casamento da época que representa a esperança no progresso de nossa arte cênica. O autor, Constantino do Amaral Tavares (1828-1889), como defende Macedo, dá, com sua obra, uma resposta àqueles que dizem que no Brasil não existe quem escreva para o teatro, considerando utopia a possibilidade de um teatro nacional. Então, Macedo muda novamente o foco de sua crítica, agora não são nem a má administração, nem o público e nem os autores os responsáveis pela decadência do teatro nacional; os culpados são os atores que, salvo João Caetano e Vasques, necessitam de uma escola dramática para tornarem-se “aproveitáveis”. [8]

Mais uma vez, é o Ginásio Dramático que será a matéria da página 382. Apesar de permitir a apresentação do drama A filha do lavrador, [9] cujo trabalho artístico não é “grande coisa”, “merece ser aplaudido”. Para Macedo, o Ginásio é o único que procura manter suas atividades. Mesmo sem a ajuda do governo e com o pouco incentivo do público, ele oferece verdadeiro incentivo aos amantes do teatro.

Diferente das críticas literárias percebe-se a facilidade com que Macedo critica o teatro; o autor apresenta suas queixas e seus pareceres sem a adjetivação utilizada para a divulgação ou o julgamento de um romance ou poesia.

Por meio das citações de Macedo, podemos observar (pelo menos no período de 1861-1862) que era intensa a produção de Literatura Dramática no Brasil e que muitas peças teatrais e autores sequer constam nas enciclopédias e dicionários de literatura; como é o caso do dramaturgo apresentado por Macedo na página 125, Candido José Rodrigues Torres Filho, autor do drama O cavaleiro D. Fernando. Trata-se de uma adaptação de um episódio do romance de Miguel de Cervantes,[10] porém O Velho garante que Torre Filho modificou tanto o enredo que a obra passou a ser mais sua do que adaptação (Cf. 1862, t. 15, p. 125). Após ressaltar as qualidades artísticas do novo autor, Macedo dá a ele um conselho:

Devo no entanto dar um conselho ao esperançoso jovem: convém que as suas tendências para a escola clássica não o levem a preferir as longas falas e os monólogos extensos do drama moderno: a superioridade d’este sobre aquele é n’este como em outros pontos incontestável (1862, t. 15, p. 126).

Diferentemente do que ocorre com o autor Candido José Rodrigues Torres Filho, nenhum conselho é dado a Luis Caetano Pereira Guimarães Filho (1847-1898) que, aos quinze anos, já havia publicado um romance e uma peça teatral intitulada Uma cena contemporânea. No breve comentário que Macedo faz dessa peça, deixa claro que se trata apenas de uma “tentativa dramática”, resultado de um trabalho ligeiro, que merecia maior dedicação.

Ao selecionar as críticas teatrais de Macedo, procuramos observar aquelas que mais caracterizam o seu amor pelas artes cênicas e que o diferenciam do crítico literário. O Velho olha para o teatro sem medo de ofender, denuncia, argumenta, dispensando-lhe até mesmos os adjetivos que marcam seus romances e suas críticas literárias. Enfim, a partir da leitura das críticas de Joaquim Manuel de Macedo, constatamos pontos relevantes do escritor romântico em seu papel de crítico.

Em primeiro lugar, Macedo deixa transparecer em seus julgamentos uma maior afinidade com a crítica teatral; quando se trata de romances ou poemas, o escritor apenas divulga a obra, enaltece a moral de seus autores e, por meio de uma linguagem adjetivada, insiste para que os leitores adquiram o livro; jamais adentra nas características dos romances ou dos poemas e também não elabora crítica depreciativa; em outras palavras, não julga,[11] apenas faz a sua divulgação. Por outro lado, ao tratar do funcionamento dos três principais teatros brasileiros da época e das peças que neles eram apresentadas, Macedo indigna-se, julga e denuncia a falta de incentivo do governo, a péssima formação de seus atores e a falta de sensibilidade do público carioca.

Também identificamos em seus textos características comuns aos críticos que figuram como pioneiros dessa prática no Brasil do século XIX. Desta forma, percebemos que Macedo prioriza o autor em detrimento de sua obra (já que a preocupação com o tecido da obra é uma marca do discurso crítico do século XX); caso fosse necessário fazer uma censura a algum autor, esta é elaborada com tantos adjetivos que dificilmente alguém perceberia o seu julgamento negativo.

Nossa pesquisa deteve-se apenas no ano de 1862; contudo, não acreditamos que seja coerente denominar o escritor de o “representante oficial de um império”, como afirma Tânia Serra, mas como um dos principais representantes, dentre outros, que por meio de crônica, teatro, crítica e, até mesmo de romances retrataram o século XIX. A pesquisadora Tânia Serra afirma que:

Macedo, com a publicação do ano biográfico (1876), que vai ganhar o citado suplemento em 1880, torna-se, definitivamente, o representante oficial de um império agora já bastante contestado. É mais em função disso, na verdade, que os novos a que se referem Taunay, Amora e Martins vão atacá-lo. O autor de Inocência, ex-aluno e admirador do romancista em Itaboraí, ao contrário, defende o antigo mestre e chega a lhe dedicar o romance A mocidade de Trajano, 1871 (1994, p. 195).

Com admiradores ou não, Macedo consagra-se no cânone do Romantismo Brasileiro. Se medíocre ou não, seu principal romance ainda arranca suspiros de muitos leitores. E, finalmente, cada nova pesquisa sobre o autor surpreende os estudiosos de nossa Literatura, porque, como tivemos oportunidade de verificar, apesar de singelas, as críticas do autor, principalmente as teatrais, além de constituírem um importante documento acerca do século XIX, representam uma face pouco conhecida do autor, a de poeta/crítico. Assim como Gonçalves de Magalhães, José de Alencar e Castro Alves, Macedo não cantou apenas o amor, pelo contrário, demonstrou uma visão crítica dos problemas sociais e literários de sua época. Intelectual preocupado com sua sociedade, ele é, em suma, daqueles Velhos escritores que se tornam novos a cada leitura.

NOTAS

Professora Assistente da UNIOESTE - Universidade Estadual do Oeste do Paraná e doutoranda em Letras pelo IEL-UNICAMP- Universidade Estadual de Campinas (alexpin@netconta.com.br).

2 Pseudônimo utilizado por Joaquim Manuel de Macedo.

3 “Crônica” pode ser tanto uma narrativa histórica, que obedece a uma ordem cronológica, como a descrição da vida de alguém. Embora Macedo escreva na seção intitulada “Crônica da Quinzena”, a maior parte de seus textos é de crítica, ou melhor, apreciação de produções artísticas.

4 As idéias de Macedo confirmam às afirmações que os pesquisadores comumente fazem, ou seja, após a influência portuguesa e espanhola, a França, a partir de 1830, assume o papel de grande influenciadora do pensamento dos brasileiros (Cf. Romero, 1943, p. 297-8).

5 Idéia também defendida por Joaquim Norberto Sousa e Silva, principalmente no artigo “A língua Brasileira”, publicado na Revista Guanabara, no ano de 1855.

6 A informação acerca da vida de Bruno Seabra, mesmo sendo superficial, é mais completa do que consta na Enciclopédia organizada por Afrânio Coutinho, reafirmando, com isso, uma das importâncias do estudo de periódicos para o conhecimento de fatos e personalidades não mencionados na historiografia tradicional.

7 O autor faz referência aos religiosos que saiam as ruas para pedir esmolas para as almas dos filhos pobres de Deus.

8 Exatamente o termo usado por Macedo.

9 Sem identificação de autor e não encontrado na Enciclopédia organizada por Afrânio Coutinho.

10 Não especifica qual obra.

11Em poucos momentos percebemos algum tipo de julgamento da obra em si, geralmente, é o caráter do autor quem é julgado por Macedo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MACEDO. Joaquim Manuel de. Crônica da quinzena. Revista Popular: B. L. Garnier, t. 14, 1862, p. 126-7; 254-5; 382-3.

MACEDO. Joaquim Manuel de. Crônica da quinzena. Revista Popular: B. L. Garnier, t.15, 1862, p. 122-7; 384-5.

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MEYER, Marlyse. Folhetim: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

ROMERO, Silvio. História da Literatura Brasileira: contribuições e estudos gerais para o exato conhecimento da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio. 3. ed., 1943.

SERRA, Tânia Rebelo Costa. Joaquim Manuel de Macedo ou os dois Macedo: A luneta Mágica do segundo reinado. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1994.

 





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