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Faixa etária e freqüência de uso na gramaticalização de acho (que) e parece (que) marcadores de dúvida na fala de Florianópolis.

Raquel Meister Ko. Freitag (PPGL/UFSC)

Resumo: a partir da hipótese do surgimento de um sistema de marcas evidenciais no português, caracterizo o processo de mudança semântico-discursiva pela qual passam as formas acho (que) e parece (que) com base nos pressuposto do paradigma funcional da gramaticalização analisando a estratificação social dos usos das funções na fala de Florianópolis.

Palavras-chave: Gramaticalização, mudança, freqüência de uso.

Résumé: dans l’hypotèse où le portugais viendrat à tenir un système de marqueurs liés à l’origine de l’enseignement, je presents le processus de grammaticalisation de acho (que) et parece (que), à partir de la langue parlée en Florianopolis. La fréquence joue un rôle actif dans le processus.

Mots-Clés: Grammaticalisation, changement, fréquence.

INTRODUÇÃO

A língua costuma passar por mudanças desencadeadas por necessidades comunicativas. Com esse pressuposto, analisando dados da fala de Florianópolis, acredito que o português esteja desenvolvendo marcas de evidencialidade. Evidenciais são definidos por Bybee, Perkings & Pagliuca (1994, p. 184) como marcadores que indicam algo sobre a fonte de informação da proposição. Os estudos sobre evidencialidade são relativamente recentes, sem que haja consenso quanto às fronteiras desse domínio. Palmer (1986), assim como Bybee (1995), coloca a evidencialidade junto aos julgamentos, no âmbito da modalidade epistêmica. Outra questão que Galvão (2002, p. 3) coloca é quanto à origem dos marcadores evidenciais. A língua pode ter um sistema evidencial original ou, dependendo da necessidade comunicativa, esse sistema pode vir a se desenvolver no decorrer do tempo. Ela apresenta a hipótese do provável desenvolvimento do sistema evidencial gramaticalizado no português do Brasil.

  • Vai chover
  • Acho que vai chover
  • Parece que vai chover
  • Diz que vai chover

Em cada uma das quatro frases anteriores, o conteúdo proposicional expresso é “vai chover”. Acho que, parece que e diz que acrescentam ao conteúdo proposicional a origem da informação. Acho que é uma marca de informação direta/primeira pessoa; parece que é uma marca de informação indireta/comum a duas ou mais pessoas; e diz que é uma marca de informação indireta/externa.

Para estudar a origem de marcadores evidenciais no português, assumo a perspectiva adotada por Galvão (2002). Galvão se apóia em De Haan (1997 apud Galvão 2002), que reconhece a evidencialidade como uma categoria modal que pode ou não estar gramaticalizada nas línguas. Segundo De Haan, os evidenciais têm as seguintes características: a) não são a parte principal da oração; b) não apresentam concordância com o falante; c) a evidencialidade é o seu significado primário; e d) não podem estar no escopo de elementos negativos.

Outro estudo que delineia a possibilidade de surgimento de marcas de origem de informação no português é o de Dall’Aglio-Hattnher (2001), para quem diz que e parece que, assim como sei lá e não sei, seriam estratégias de descomprometimento e passam por processo de mudança, de itens lexicais a evidenciais ou modais. Compare-se:

  • O deputado federal José Santana de Vasconcelos (PFL) prega uma grande aliança em torno do governo. Ele diz que o bom relacionamento entre o PFL, o PSDB e o PTB mineiros deve ser estendido ao plano federal .
  • Pois é, no Cassino da Urca, olha que chique. Parece até que ela é uma jovem muito simpática, culta, prendada... E rica, é claro. Diz que a família dela tem muito dinheiro .

São construções de verbo + complemento oracional, com a característica comum de o verbo estar cristalizado em um tempo, modo e pessoa específicos. O primeiro caso ilustra a forma lexical original, formada de sujeito + verbo + oração complemento; no segundo caso, a expressão diz que parece se comportar como um único item, autônomo, não mais verbo + oração complemento.

O mesmo se dá com acho que e parece que. Analisando a fala de Florianópolis, é possível identificar usos de acho e parece, como os que seguem:

  • Eles são muito assim, berrão, eles fazem muito escândalo, muito matraca, eles vão lavar roupa suja na rua assim, sabe? a coisa mais ridícula. PARECE QUE eles nem tem casa, eles vivem na frente da casa dos outros. E os do lado assim, são muito quietos e eles ficam debochando dos outros assim, sabe?
  • Eu tinha que explicar melhor, não era tão, assim, como agora a mãe já libera mais ele, tal. Não sei se é porque tem outros dois mais - mais velhos, tal, né? Mas ACHO QUE é mais liberado do que antes, né? nesse aspecto. Mas eu saía mais tranqüilo do que ele.

A informante faz uma comparação entre o comportamento dos vizinhos e a ausência de uma casa, o que é codificado por parece que. Ao expressar sua opinião sobre a relação com os pais na sua adolescência, no outro exemplo, o falante indica que “hoje ser mais liberado do que antes” é uma opinião sua. Nesse caso, é uma opinião do falante sobre coisas que acontecem no "mundo"; no caso de parece, é uma constatação que o falante faz a partir do que observa no "mundo" que se coloca ao falante.

Quando essas formas são utilizadas para indicar dúvida, a diferença da origem da informação não desaparece totalmente, mas o sentido mais forte, que é o de dúvida, permanece.

  • Sempre passei direto, nunca fiquei em recuperação. Já no segundo grau, eu fiquei em recuperação os três anos em Física, e, no terceiro ano, EU ACHO e também fiquei em Matemática.

A forma acho marca incerteza quanto ao ano em que o informante ficou em exame de recuperação, sem enfatizar com tanto rigor, como nos casos anteriores, a origem da informação. Tanto que é possível intercambiar acho com parece, sem que com isso ocorra desvio do sentido de dúvida pretendido:

  • Sempre passei direto, nunca fiquei em recuperação. Já no segundo grau, eu fiquei em recuperação os três anos em Física, e, no terceiro ano, PARECE e também fiquei em Matemática.

Mas como esses verbos passaram a marcar origem de informação? Galvão (2002, p. 4) descreve usos evidenciais no português do Brasil desenvolvidos a partir da gramaticalização da oração matriz que introduz uma oração encaixada construída com o predicado dizer, primeira pessoa do singular, presente, modo indicativo.

Um parâmetro teórico para explicar essa mudança é o paradigma funcional da gramaticalização, conforme proposto por Hopper & Traugott (1993), Heine (1991), Bybee (1995), entre outros.

O PARADIGMA FUNCIONAL DA GRAMATICALIZAÇÃO

A língua, como objeto social, está em uso. E, por estar em uso, está sujeita a constantes modificações. Para Hopper (1987), a gramática é emergente e por isso as estruturas lingüísticas não podem ser aprioristicamente definidas, nem fixas. A estrutura da língua é moldada pelo discurso: assim, quanto mais utilizada uma construção, mais ela tende a se tornar estruturada. Estudos recentes compilados por Bybee & Hopper (2000) ressaltam a importância do papel da freqüência de uso na formação daquilo que convencionalizamos chamar "gramática".

Se a gramática não é fixa, como novas construções surgem na língua? Uma explicação é dada pelo paradigma funcional da gramaticalização. Meillet (1965, p.130-1) aponta que há duas formas de surgirem novas palavras na língua: analogia ou gramaticalização, ou seja, a atribuição de estatuto gramatical a palavras anteriormente autônomas. Muitos estudos depois, ainda não há consenso na definição de gramaticalização, embora a todas perpasse a idéia meilletiana de processo e unidirecionalidade. A unidirecionalidade do processo é devida ao fato de a mudança partir de uma categoria ou conceito concreto para o abstrato, e não ao contrário: para Heine (1991) há gramaticalização quando uma unidade ou estrutura lexical assume uma função gramatical, ou quando uma unidade gramatical assume uma função mais gramatical. Hopper & Traugott (1993, p. 15) consideram a gramaticalização como o processo por meio do qual itens e construções lexicais em um certo contexto lingüístico desempenham funções gramaticais, e uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais.

A idéia de gramaticalização que mais vem ao encontro dos propósitos do meu estudo é a proposta por Bybee (1994, 2001). A gramaticalização é caracterizada pelo aumento da freqüência de uso de uma palavra ou construção, que aumenta a possibilidade/probabilidade de expansão do seu sentido, com decorrências morfossintáticas e morfofonêmicas.

Bybee defende o papel fundamental da repetição no processo de gramaticalização, que é caracterizado como o processo pelo qual uma seqüência de morfemas ou palavras freqüentemente utilizada torna-se automatizada como uma única unidade no processamento. A freqüência de uso pode ser considerada como a desencadeadora de todo o processo, afetando a fonologia e a semântica por promover mudança, e também a morfossintaxe, por assegurar a preservação de uma forma anterior.

As mudanças fonológicas que ocorrem em construções que estão passando por gramaticalização, como a fusão e a redução, são impulsionadas pela sua alta freqüência de uso. Morfemas ou construções com alta freqüência de uso sofrem mudança de som a uma velocidade mais rápida do que palavras ou construções com baixa freqüência de uso. Uma possível explicação é que a segunda repetição é significativamente mais curta do que a primeira; é o que apontam Fowler & Housun (1987, apud Bybee, 2001).

A perda da clareza semântica das construções que estão passando por gramaticalização leva à ampliação do seu contexto de uso. Um dos mecanismos mais atuantes no processo de gramaticalização é o esbranqueamento semântico ou generalização, por meio do qual características específicas do sentido vão sendo perdidas. E a autonomia de uma expressão freqüente cristalizada na língua condiciona a preservação de características morfossintáticas obsoletas (é o caso de tomara e quisera, por exemplo, marcadores volitivos que têm fossilizado a marca temporal de pretérito mais que perfeito).

O PAPEL DA FREQÜÊNCIA DE USO NA GRAMATICALIZAÇÃ

A freqüência de uso vem sendo utilizada como um forte argumento empírico para confirmar processos de gramaticalização. Thompson & Mulac (1991) analisaram a gramaticalização de expressões epistêmicas em epistêmicas parentéticas: construções sujeito + verbo ocorrendo sem complementizador (I think, I guess) são reanalisadas pelos falantes como expressões epistêmicas, que têm liberdade sintática, funcionando semelhantemente a outras expressões epistêmicas, como maybe. A mudança de I think envolve a combinação perifrástica de sujeito + verbo, tornando-os um só elemento, o qual se comporta como um elemento da categoria advérbio. I think ilustra o processo de gramaticalização comparável ao exemplo discutido em Heine e Reh (1984): um núcleo ou elemento cabeça é reanalisado como um elemento dependente. Não há evidências históricas que permitam afirmar que essa alteração sincrônica sujeito + verbo tenha equivalente diacrônico. Segundo Hopper (1996), Ithink tem assumido, no inglês vernacular, estatuto mais gramatical como um evidencial. Thompson & Mulac (1991) comprovam quantitativamente a relação entre a freqüência de uso e o aparecimento na gramática de I think e I guess modalizadores parentéticos epistêmicos

A GRAMATICALIZAÇÃO DE ACHO E PARECE NA FALA DE FLORIANÓPOLI

Para evidenciar a gramaticalização de acho e parece na fala de Florianópolis, foram utilizadas amostras de fala de 36 entrevistas do Banco de Dados Varsul, referentes à cidade de Florianópolis, estratificadas de acordo com o perfil social dos entrevistados, com dois informantes de cada sexo para cada faixa etária e faixa de escolarização. As ocorrências levantadas no corpus analisado foram quantificadas considerando a função discursiva que acho e parece desempenham, e correlacionadas à faixa etária dos falantes que as utilizam.

Tabela 1 – Recorrência de acho e parece quanto às funções discursivas :

 

Acho

Parece

Total

Marcador de opinião

382

99%

2

1%

384

46%

Marcador de percepção

0

0%

22

100%

22

51%

Marcador de dúvida

330

77%

100

23%

430

3%

Total

712

85,2%

124

14,8%

836

100%

Observando a distribuição dos dados na tabela 1, é possível formular expectativas quanto à freqüência de uso e a gramaticalização: acho (712 ocorrências, ou 85,2%) é muito mais recorrente do que parece (124 ocorrências, ou 14,8%), e por isso, possivelmente muito mais gramaticalizado, pois de acordo com a hipótese de freqüência de uso e gramaticalização de Bybee (2001), quanto mais freqüente uma construção, mais chances ela teria de se gramaticalizar. Para verificar a validade da hipótese, é preciso correlacionar as formas às funções discursivas que elas desempenham no discurso. Porém, há que se considerar os resultados diacrônicos encontrados por Gonçalves (2003): dentre as três formas analisadas – achar, parecer e crer – a forma mais gramaticalizada é parecer [1] e a mais resistente à mudança é achar [2].

O contínuo de gramaticalização proposto é que as funções marcador de opinião (2) e marcador de percepção (1) são as instâncias iniciais, mais concretas. Para essas formas, os dados apontam a correlação entre função e forma: a função marcador de opinião é desempenhada pela forma acho, salvo em duas exceções em que ocorre parece + me. E a função marcador de percepção é desempenhada pela forma parece. Já quanto à função marcador de dúvida (3) e (4), a instância mais abstrata no contínuo proposto, as duas formas podem desempenhar a mesma função.

A função marcador de dúvida é tanto desempenhada pela forma acho como pela forma parece. Das 430 ocorrências, acho responde por 77%, ou seja, 330 ocorrências, e parece, 23%, ou 100 ocorrências. Essa é a função mais recorrente no corpus analisado: são 51% (430 ocorrências), contra 46% (384 ocorrências) da função marcador de opinião, e apenas 3% (22 ocorrências) de marcador de percepção.

Retomando a freqüência de uso, a função marcador de opinião, para acho, soma 382 dados contra 330 dados da função marcador de dúvida; para parece, há 22 dados da função marcador de percepção contra 100 de marcador de dúvida. A freqüência de uso de parece, na função marcador de dúvida, é muito maior do que a de acho (para parece, a relação é de 5:1, ou seja, para cada 5 ocorrências de parece marcador de dúvida há uma ocorrência de parece marcador de percepção; para acho, a relação é aproximadamente de um para um, ou seja, a cada ocorrência de achomarcador de dúvida, há uma ocorrência de acho marcador de opinião ), que, em valores absolutos, é mais recorrente no corpus, pois para cada oito ocorrências de acho há uma ocorrência de parece. Por que parece tende mais a ser usado que acho na função marcador de dúvida? A resposta é diacrônica, conforme aponta o estudo de Gonçalves (2003), que constatou que a unidirecionalidade do processo de gramaticalização de parecer se confirma, do uso original latino ao português atual, e que as três formas verbais analisadas – achar, crer e parecer – não estão gramaticalizadas no mesmo grau: a forma parecer sobressai das demais, possivelmente devido às suas propriedades sintático-semânticas.

Apesar das suas diferenças, acho e parece andam lado a lado no processo de gramaticalização: a ocorrência de acho é mais freqüente e a de parece é mais provável. A forma acho é mais freqüente porque computa 85,2% das ocorrências nas funções marcador de opinião e marcador dedúvida; especificamente na função marcador de dúvida, sua freqüência é de 77%. Já a forma parece tem mais probabilidade de ocorrer na função marcador de dúvida do que na função marcador de percepção, pois para cada ocorrência de parece marcador de percepção há cinco ocorrências de parece marcador de dúvida (no total, 22 ocorrências contra 100).

A freqüência de uso indicia a gramaticalização de acho e parece como marcadores de dúvida: a função é a que mais computa ocorrências, possibilitando a expansão do seu contexto de uso, de acordo com as hipóteses para freqüência de uso e gramaticalização, postuladas por Bybee (2001).

A INFLUÊNCIA DA FAIXA ETÁRIA

Não é usual no aparato teórico-metodológico do paradigma funcional da gramaticalização considerar a influência de fatores sociais sobre o processo de gramaticalização. Porém, considerá-los pode dar pistas de como a mudança se deu na língua, ou seja, podemos descobrir o perfil de quem começou a utilizar "velhas formas com novas funções". A faixa etária pode trazer indícios da mudança via gramaticalização, conforme apontam os resultados de estudos já realizados, inclusive na fala de Florianópolis. Tavares (1999), ao estudar as estratégias de seqüenciação retroativo-propulsora, constatou que a forma daí é usada por indivíduos mais jovens, ao passo que as outras formas (, então, e) são usadas por indivíduos mais velhos. Essas preferências seriam um indício de que há mudança: uma forma, por hipótese, mais recente (daí), sendo usada preferencialmente em detrimento de formas mais antigas (, então, e) (TAVARES, 1999, p. 161). Gorski (2002) também constatam a influência da faixa etária no processo de gramaticalização de sabe? e entende?, e olha e veja. Assumindo a hipótese de que a faixa etária pode indiciar a gramaticalização, dando pistas do início de instâncias do processo, passe-se às formulações específicas para acho e parece, de marcadores de opinião e percepção a marcadores de dúvida.

No contínuo de gramaticalização, as funções de marcador de opinião e de marcador de percepção estão em instâncias mais iniciais do que a função de marcador de dúvida. Se há correlação entre as instâncias de gramaticalização e a sua entrada na língua, é provável que as funções de marcador de opinião e de marcador de percepção tenham entrado na língua primeiro do que a função de marcador de dúvida. Um indício da ordem de entrada das funções na língua seria a estratificação das funções de acordo com as faixas etárias dos falantes. Se isso for verdade, as funções em instâncias mais iniciais do processo de gramaticalização - marcador de opinião e marcador de percepção - apareceriam em todos os grupos etários de falantes, ao passo que a função de marcador de dúvida, em instância mais avançada no processo de gramaticalização, apareceria predominantemente na fala de grupos etários mais jovens. Assim, as relações esperadas seriam parece > marcador de percepção > todos osgrupos etários; acho > marcador de opinião > todos os grupos etários; e acho/parece > marcador de dúvida > grupos etários mais jovens.

Os informantes utilizados para caracterizar a gramaticalização de acho e parece na fala de Florianópolis estão divididos em três grupos etários: de 15 a 24 anos, de 25 a 49 anos e com mais de 50 anos. A recorrência de acho e parece quanto à faixa etária e à função discursiva está disposta na tabela 4:

 

Tabela 2– Recorrência de acho e parece quanto à faixa etária dos falantes :

 

Marcador de opinião

Marcador de percepção

Marcador de dúvida

Total

 

Acho

Parece

Acho

Parece

Acho

Parece

Acho

Parece

 

Freq.

Perc.

Freq.

Perc.

Freq.

Perc.

Freq.

Perc.

Freq.

Perc.

Freq.

Perc.

Freq.

Perc.

Freq.

Perc.

15 a 24 anos

102

100%

0

0%

0

0%

11

100%

203

84%

40

16%

305

86%

51

14%

25 a 49 anos

101

98%

2

2%

0

0%

10

100%

58

61%

37

39%

159

76%

49

24%

Mais de 50 anos

179

100%

0

0%

0

0%

1

100%

69

75%

23

25%

248

91%

24

9%

Total

382

99%

2

1%

0

0%

22

100%

330

77%

100

23%

712

85%

124

15%

Para a função de marcador de dúvida, a expectativa de que seu uso predominasse nas faixas etárias mais jovens se confirma. Do total, 203 ocorrências de acho e 40 de parece dão-se na faixa etária mais jovem, de 15 a 24 anos. O restante das ocorrências se divide equilibradamente entre as outras duas faixas etárias: 58 ocorrências de acho e 37 de parece dão-se na faixa etária intermediária, de 25 a 49 anos, e 69 ocorrências de acho e 23 de parece dão-se na faixa etária mais velha, formada por falantes com mais de 50 anos.

Também se confirma a expectativa para a função de marcador de opinião, de que seu uso estaria distribuído por todas as faixas etárias. Das 384 ocorrências, 46% (o equivalente a 179 ocorrências) dão-se na faixa etária mais velha, constituída por falantes com mais de 50 anos. As demais ocorrências também estão distribuídas equilibradamente, desta vez entre as faixas etárias mais jovens, com 27% (o equivalente a 103 ocorrências) na faixa etária intermediária, constituída por falantes entre 25 a 49 anos, e também 27% (o equivalente a 102 ocorrências) na faixa etária mais jovem, constituída por falantes entre 15 a 24 anos.

Já o comportamento da função de marcador de percepção não corresponde às expectativas. Há que se ressaltar, novamente, o reduzido número de ocorrências.

NOVOS RUMOS

A língua em uso está sujeita a mudanças. Assumindo esse mote, não se pode dizer que uma análise de um fenômeno de mudança lingüística está encerrada. Reporto-me ao princípio de Hopper (1991) da especialização, que diz respeito à redução da possibilidade de escolha e a como um número reduzido de formas assume sentidos gramaticais mais gerais. Essa questão ficou pendente quando foi tratada na verificação da gramaticalização de acho e parece como marcadores de dúvida. Novas análises são necessárias para verificar se o problema se resolve: se as formas irão se especializar em funções diferentes ou se uma delas irá predominar sobre a outra. Uma abordagem variacionista poderia dar pistas da possibilidade de especialização ou sobreposição das formas.

NOTAS

1 Gonçalves (2003) analisa o verbo parecer sincrônica e diacronicamente. O verbo, de organizador de uma predicação (parecer 1), passa completamente para fora dela (parecer 5). Os significados baseados em uma situação externa (parecer 2,3) passam a significados numa situação interna (avaliativa, perceptual, cognitiva) (parecer 2), que, por sua vez passam a significados cada vez mais baseados na atitude subjetiva do falante (parecer 3,4,5).

2 O verbo achar (Galvão, 1999) “encontra-se em processo de gramaticalização, à medida que um item lexical, verbo pleno, com o significado de encontrar, influenciado por mecanismos metafóricos e metonímicos, dá origem a novos usos no domínio da modalidade – mais gramaticais –, e assume funções diferentes da de origem, comportando-se como ora um verbo modal epistêmico ora como uma espécie de advérbio modalizador epistêmico quase-asseverativo” (GALVAO, 1999, p. 145-6).

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