ISSN 1679-1347 |
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Edições |
Resenha - Número 02 - Abril de 2004
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SAOUTER,
Catherine (2003). Images et Sociétés: le progrès, les médias, la guerre.
Montreal: Les Presses de l'Université Laval.
Ana Rosa Neves Ramos (1) Professora do PPGLL/UFBA Sérgio Barbosa de Cerqueda (1) Doutorando pelo PPGLL/UFBA - Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) |
A constatação é evidente: as imagens estão por todos os cantos. Elas invadem todas as esferas da vida social. Será que deveríamos constatar aí a expressão da idéia de progresso? Essa e outras são questões surgem a partir do momento que repertoriamos a história da imagem desde o nascimento da fotografia até a revolução numérica, onde a Internet é atualmente a protagonista. Images e Sociedades: o progresso, a mídia, a guerra, obra de Catherine Saouter (2) e escrita em língua francesa, realiza um estudo detalhado das principais imagens que marcam as sociedades ocidentais desde a Revolução industrial. O seu objetivo maior é compreender as representações, através da imagem mediatizada, que as sociedades ocidentais se fazem delas mesmas. Esta imagem, contraditória, exprime o paradoxo da utopia do progresso a serviço da concórdia, nas sociedades em que este mesmo progresso coloca entre as mais guerreiras da história. Para tanto, as representações da guerra ocupam a parte fulcral da análise e constituem o seu fio condutor. A história da guerra, no período em questão, e talvez desde sempre, cadencia, condiciona e modela a história das sociedades. Desde o início da Revolução industrial a guerra é, ao mesmo tempo, o principal beneficiário e o maior promotor do progresso técnico, particularmente no campo das comunicações: a conquista da Argélia, a guerra da Criméia, a guerra de Secessão multiplicaram a extensão das redes telegráficas; a Primeira Guerra mundial inaugurou a radiofonia; a Segunda retardou o desenvolvimento da televisão e a Guerra Fria corroborou para a invenção da Internet. Paroxismos das disfunções das sociedades, a guerra contribui também para uma expressão exacerbada das visões de mundo pela revelação dos sofrimentos e pela fúria da propaganda. Não há motivo, portanto, para se surpreender que as maiores fotos do século, aquelas que viriam a ser consideradas como emblemáticas, tenham sido obtidas durante os conflitos. Paradoxalmente, os períodos de conflito tornam mais explícito o desejo profundo das sociedades que eles próprios desequilibram: o de paz e de segurança, que o progresso deveria suprir perenemente. A autora identifica os papéis atribuídos às imagens, abordando, de forma mais abrangente, a questão da sua mise-en-média e da cultura de massa. Apoiando-se predominantemente na fotografia documental, acompanhando o seu percurso e a sua evolução no tempo, a obra coloca explicitamente a questão da ideologia por trás da imagem: propaganda na democracia, guerra mediatizada e representações da guerra, espaço público e crônica midiática. Este terreno de pesquisa foi aberto por Susan Sontag, nos anos 70, através do ensaio Sobre a fotografia, no qual postulava que as imagens, ao tratar da grande atualidade do mundo, deveriam ajudar a forjar a nossa percepção desta mesma realidade. A filósofa americana desconstruiu, desta forma, a crença ingênua da inocência nas/das fotografias e descortinou a maneira pela qual os mídia utilizam e manipulam as imagens. É ainda de sua autoria Regarding the Pain of others, 2003 (traduzido em português com o título Sobre a dor dos outros) dedicado igualmente ao mesmo tema. É de se estranhar, portanto, que a professora Catherine Saouter não tenha feito qualquer menção a Sontag em sua bibliografia já que esta fonte de inspiração se torna evidente ao longo de seu livro. Assim como Sontag, Catherine Saouter discute o papel atribuído às imagens e interroga-se sobre o efeito produzido por sua mise-en-média na sociedade moderna e na cultura de massa.
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Os primeiros capítulos da obra tratam do nascimento da imagem fotográfica ("documentar, representar"), as primeiras imagens da guerra ("imprimir, difundir") e a propaganda na democracia ("persuadir, manipular"). As duas últimas partes oscilam em torno das guerras mediatizadas ("denunciar, edulcorar") e a proliferação das imagens no espaço público ("invadir, referendar"). No entanto, a lição maior da obra diz respeito à imagem de si que as sociedades democráticas constróem, comprimidas entre o ideal de um progresso a serviço de uma paz radiosa e eterna e a cruel realidade da guerra, quase permanente, nos tempos atuais - um dos mais belicosos da história. Um exemplo desta abordagem, nos é fornecido pela análise de fotos de Robert Capa, que participou do desembarque na praia de Omaha, em 6 de junho de 1944, e veio a morrer por causa de uma mina, na guerra da Coréia. Segundo a autora, ele pode ser visto como o criador do objeto do principal "olho" da nossa época, através da sua foto das Brigadas internacionais, feita na Espanha, em setembro de 1936. A este respeito, a autora afirma que "o paradoxo alucinante desta foto fascina: o momento da morte não está antes nem depois da foto, mas dentro da foto. Depositária da grande prova da passagem, ela mostra a morte como uma ação última que cada um é conclamado a realizar; à cada um a sua hora, mas que o soldado admite antecipá-la, através de contrato, ao entrar no "métier". Po ter estado lá no bom momento, esta foto exprime, de forma contundente, a essência do fotojornalismo de guerra pela capacidade do fotógrafo, no exercício da sua profissão, em apreender a essência da guerra: matar ou ser morto". É de se lastimar, entretanto, que o texto não tenha observado os debates em torno da autenticidade deste ícone do século: os negativos encontrados nos arquivos de Capa mostraram várias tomadas desta "essência do fotojornalismo" finalmente representada. Não se trata apenas uma representação simbólica da morte, vez que este clichê também mistura a trucagem e a propaganda, dois outros aspectos da fotografia documental. De qualquer forma, a pesquisa de Catherine Saouter destaca-se, sobretudo, por sua referência à história nacional canadense e quebequense Para cada etapa sobre o continuum histórico, indo dos anos 1830 até o nosso século, o seu estudo descreve a invenção de novas técnicas documentais, a multiplicação e a utilização das imagens no espaço social, não perdendo de vista a sua relação com as transformações e mutações dessas sociedades. À sua maneira, mesmo que não seja a intenção maior, este livro contribui, assim, para o enriquecimento da nova historiografia quebequense. O terceiro capítulo Persuadir, manipular: a propaganda na democracia é particularmente interessante ao tratar, por exemplo, da Revue moderne, fundada após a Primeira Guerra mundial, exatamente por promover e apoiar uma certa modernidade: os progressos da medicina, da radiofonia, do automóvel e da fotografia. Na introdução, Catherine Saouter avança, inclusive, uma rica hipótese, sobre uma perspectiva comparada desses dois mundos "contrariamente à imagem dita artística, na qual a cultura contemporânea retém, sobretudo, o procedimento do seu autor e as suas dimensões estéticas, a imagem documental está fundamentalmente ligada à sua comunicação na sociedade. Ela depende, portanto, necessariamente dos meios de difusão, ou seja dos meios de comunicação e de mediação, tanto no que diz respeito à imprensa escrita, ou as redes de televisão, quanto à carta postal, ao cartaz publicitário e aos correios eletrônicos". Catherine Saouter se interroga, finalmente, sobre a guerra do Iraque e lembra o surgimento de uma estranha caricatura, intitulada Um quadrado negro com uma data: 19 de março de 2003, 22h15. "É preciso [ver aí] o sintoma declarado do impasse comunicacional das sociedades hipermidiatizadas? pergunta a autora. No início do século XX, a modernidade tinha encontrado a sua expressão no quadro do pintor russo Malevitch Quadrado branco sobre fundo branco. [...] Serge Chapleau, através da sua caricatura, propõe um quadrado negro". De um grande artista para um grande caricaturista esta aproximação bastarda tem, ao menos, o mérito da audácia desestabilizadora. E não nos enganemos, mesmo desafiador, este gênero de aproximação, mesmo semiológico, ainda que conte belas histórias, não afirma, como o fazem Jean Baudrillard e outros, que a realidade desaparece sobre os golpes repetidos dos simulacros e do espetáculo. O duro e atroz real do nosso mundo penetra por todos os lados nesta pesquisa, fartamente ilustrada, e que passa a se constituir em uma obra de referência incontornável não só para aqueles que trabalham nas áreas de comunicação e mídia, como também para qualquer pessoa que se interessa pelos desafios provocados pelas imagens mediatizadas na era da comunicação. Essa obra pode ser vista, ainda, como uma reavaliação positiva da contribuição de McLuhan para a história da mídia e para a análise do papel das comunicações na história. Isto porque não é demais lembrar a grande contribuição de pesquisadores canadenses para a compreensão da sociedade contemporânea, de McLuhan a Linda Hutcheon, dentre outros. (1) O presente texto é um dos frutos das pesquisas realizadas pela Prof.a Dr.a Ana Rosa Neves Ramos (Pós-Doutorado na Universidade do Quebec em Montreal (UQAM) e Universidade de Montreal (UM) e pelo Doutorando Sérgio Barbosa de Cerqueda (Doutorado Sanduiche no Exterior na UQAM), ambos com bolsa do CNPq. (2) Semióloga, Catherine Saouter é professora do Departamento de Comunicação da UQAM desde 1988. Suas pesquisas e seus cursos concentram-se nas teorias da imagem numa perspectiva semiológica e histórica. Ela se interessa, sobretudo, pelas relações entre os conflitos e a mídia. |
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Capa de Inventário concebida por Leila França Rocha (vencedora de concurso realizado no ILUFBA em 2002) |
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