Outras edições |
||||||
Ethos e o discurso de auto-ajuda Nilza Carolina Suzin Cercato (PPGLL/Ufba)
Resumo: Privilegia-se a construção do ethos no discurso de auto-ajuda. A noção de ethos provém da retórica, deslocando-se na pragmática moderna e na análise do discurso. As concepções de imagem, cena de enunciação, cenografia e estereótipo são aplicadas ao corpus em análise, um recorte na obra de Lair Ribeiro. Palavras-chave: Análise do discurso; ethos; cena enunciativa; cenografia; estereótipo. Résumé : On recherche sur la construction de l’ethos dans le discours d’aide-de-soi. La notion vient de la rhétorique et s’étend vers la pragmatique moderne et à l’analise de discours. Les conceptions de scène d’énonciation, scenographie et stereotypage sont apliquées dans le corpus, un extrait de l’oeuvre de Lair Ribeiro. ETHOS E O DISCURSO DE AUTO-AJUDA Ao enunciar, o locutor dá uma representação de sua pessoa, isto é, oferece uma imagem de si mesmo através da competência lingüística, do conhecimento de mundo e da própria apresentação pessoal. No campo da retórica, cada vez mais, fica evidente a importância da adesão do auditório/alocutário que deve tornar-se o objetivo maior do orador/locutor. Nos estudos da pragmática moderna, em relação à análise de discursos, as teorias de diversos campos se entrecruzam para pesquisar a arte de persuadir e convencer. Segundo Ruth Amossy,(1999, p.32) Ducrot foi o teórico moderno a usar pela primeira vez o termo ethos integrado à ciência da linguagem, no momento em que expressa a teoria polifônica do discurso na pragmática semântica. Ao estabelecer a diferença entre locutor (L) e enunciador (E) como fonte das posições assumidas no discurso, e dividindo o L - ele-mesmo - com o locutor-pessoa-no-mundo - significando o “eu” como sujeito da enunciação e “eu” como sujeito do enunciado respectivamente, permite, não apenas ver o que o locutor diz de si mesmo, mas também a aparência que a palavra lhe confere. Trata-se da passagem: « L’ethos est attaché à L, le locuteur en tant que tel: c’est en tant qu’il est à la source de l’enonciation qu’il se voit effublé de certains caractères qui, par contrecoup, rendent cette énonciation acceptable ou rebutante » (DUCROT, 1984, p.201) A noção de ethos, conforme Rocha (2002) indica que Bailly define: (ethos) séjour habituel, demeure// II caractère habituel, d’où: 1 coutume, usage// 2 manière d’être ou habitude d’une personne, caractère, disposition de l’âme, de l’esprit; t. de rhét., impression morale (produite par um orateur); au pl., p. ext., la personne elle-même// 3 p. ext. moeurs (1901). É na acepção 2 e 3 - que o sentido de ethos é tomado ao longo da análise empreendida neste trabalho, conduzindo para a construção da imagem, o modo de ser ou os hábitos, a impressão moral que o orador/locutor vai produzir em se auditório/alocutário. O ethos representa o estilo que o orador deve usar para captar a atenção e ganhar a confiança de seu auditório, tudo o que fizer para ter a simpatia de seu auditório. O ethos apela para a imaginação do interlocutor. Aristóteles definia o bom senso, a virtude e a honestidade como sendo elementos facilitadores de confiança no orador. Na Retórica (I 1356a 13) Aristóteles afirma: “o ethos constitui-se na mais importante das provas”. Em outra passagem (Retórica III, 1408a 31) diz: “um rústico não saberia dizer nem as mesmas coisas nem de um modo idêntico a um homem culto”. Para Aristóteles, os temas e o estilo escolhido deveriam ser apropriados ao ethos do orador, ou dizendo em termos da sociologia interacionista, a seu tipo social. Assim é que se pode perceber o sentido do termo ethos, em Aristóteles, ligado a dois campos: um no sentido moral, ligado às atitudes e às virtudes, como honestidade, sabedoria; outro com sentido neutro entendido como conjunto de termos como hábitos e costumes. O lugar, portanto, que engendra o ethos é o discurso, o lógos do orador, pois ele se mostra através das escolhas de linguagem que faz. Todo modo de se exprimir é resultado de uma escolha entre diversas possibilidades lingüísticas e estilísticas. É necessário que a credibilidade do orador seja de fato o seu discurso. Observa-se que as escolhas efetuadas pelo orador concernem, sobretudo, ao modo de se exprimir, pois o plano de expressão inclui o elocutio e o actio. Esta é a forma como ele traduz os termos fundamentais de Aristóteles das três razões que inspiram confiança: ter um ar ponderado (phrónesis); apresentar-se como um homem simples e singelo (aretê) e dar uma imagem agradável de si mesmo (eunóia). Esta análise se fundamenta na passagem de Retórica II, 1378a 6: Os oradores inspiram confiança por três razões: são, com efeito, as razões que determinam nossa convicção para além das demonstrações (apódeixis): a) a prudência, a sabedoria prática (phronésis), b) a virtude (aretê) e c) o altruísmo, simpatia (desejar o bem de outro) (eúnoia). Os oradores erram por faltar algumas dessas razões ou uma entre elas: ou sem a prudência, pois sua opinião não está correta; ou pensando corretamente, não dizem, - por maldade – o que pensam; ou prudentes e honestos (epieikés), eles não são altruístas. No pensamento aristotélico, as virtudes positivas da dianoética e da ética são importantes porque o verdadeiro e o justo são por natureza mais fortes que seus contrários. Isto pode ser entendido como: aconselhar ou falar sobre o verdadeiro e justo inspira mais facilmente a confiança do auditório/alocutário e, quando o orador/locutor atinge esse patamar, estará usando integridade discursiva e retórica. Mas não se pode realizar o ethos moral sem realizar ao mesmo tempo o chamado ethos neutro, objetivo e estratégico, e essas duas faces se constituem nos dois elementos essenciais do mesmo procedimento: convencer pelo discurso, sendo o ethos constituído no e pelo discurso, pelo lógos, portanto, também portador de persuasão. O ponto essencial é que o ethos está ligado à enunciação quando o discurso torna o orador digno de fé, pois as pessoas honestas inspiram confiança, mas esta confiança deve ser efeito de um discurso e não de uma previsão do caráter do orador. Roland Barthes marca essa característica essencial: ”São os traços do ethos que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importa sua sinceridade) para causar uma boa impressão. O orador enuncia uma informação e ao mesmo tempo diz: “eu sou isso, eu não sou aquilo”. (BARTHES, 1966, p.212- apud MAINGUENAU, 1999, p.77). Nota-se, pois, que o ethos está ligado ao orador/locutor, enquanto fonte da enunciação, é o exterior que o caracteriza. O alocutário atribui a esse locutor, inscrito no mundo, traços extradiscursivos que são realidades intradiscursivas uma vez que associadas a um modo de dizer, a um estilo, a uma escolha de palavras. São extradiscursivos porque intervêm em sua elaboração dados exteriores como o tom de voz, a mímica, o modo de vestir, na exposição oral; ou o estilo, o gênero, a modalidade discursiva e a ideologia, no discurso escrito. Deve-se levar em conta também que nem sempre o ethos visado é o ethos produzido. Às vezes, o locutor apresenta uma imagem de pessoa séria, pensando estar falando com profundidade e o que consegue é uma imagem cansativa e pouco simpática; outras vezes, um orador desejando ser simpático e descontraído pode passar uma imagem de demagogo e pouco responsável. Ainda é importante lembrar que não se pode, na modernidade, falar em ethos no mesmo sentido tradicional, mas o que interessa é ver como aqueles conceitos podem, hoje em dia, colaborar nos estudos das diversas ciências que tratam da linguagem e da comunicação. Assim é que Mainguenneau (1999, p 79-82) considera válidas as seguintes idéias para trabalhar com ethos: 1º ethos é uma noção discursiva, que se constrói através do discurso, não se trata de uma imagem exterior à palavra; 2º ethos está funcionalmente ligado a um processo interativo de influências mútuas entre orador/locutor e auditório/alocutário; 3º é uma noção sócio-discursiva, um comportamento social avalizado que não pode ser apreendido fora de uma situação de comunicação precisa, trata-se de uma noção integrada a uma conjuntura sócio-histórica determinada. Nesse último sentido, o ethos está ligado a uma cena enunciativa, na qual o destinatário está convocado, inscrito. Um enunciador está inscrito em um quadro interativo, em uma instituição discursiva em que existem configurações culturais, papéis a serem desempenhados, lugares e momentos legítimos, que servem de suporte material e de modo de circulação dos enunciados. Maingueneau diz que, na perspectiva da análise do discurso, é necessário ver o ethos como uma parte da cena de enunciação, do mesmo modo como se vê o vocabulário ou os modos de difusão que dão existência ao enunciado. Esta cena de enunciação, o discurso a pressupõe para que possa ser enunciada e em troca, vai validá-la, pois a cena institui a situação que torna o discurso pertinente. Ele afirma: A cenografia não é simplesmente um quadro, um cenário, como se o discurso aparecesse inesperadamente no interior de um espaço já construído e independente dele: é a enunciação que, ao se desenvolver, esforça-se para constituir progressivamente seu próprio dispositivo de fala. [...] Desse modo a cenografia é ao mesmo tempo a fonte do discurso e aquilo que ela engendra (MAINGUENEAU, 2002, p.87) (destaque em itálico pelo autor). Ele apresenta, então, as cenas: a primeira seria a cena englobante que tem seu estatuto pragmático no discurso, integrada a um tipo de discurso, como o publicitário, filosófico, auto-ajuda; a cena genérica que está ligada a um gênero ou sub-gênero de discurso com o editorial, o sermão. A cenografia, no entanto, não se constrói imposta por um gênero, mas é construída no texto: trata-se da cena apropriada para um determinado discurso, para validá-lo, torná-lo pertinente. A cenografia torna-se um procedimento, um dispositivo que permite articular o discurso com sua origem e percurso, como por exemplo, a vida do orador/locutor, a sociedade em que ele se inscreve. Há, portanto, uma dupla articulação: o discurso considerado como enunciação de um lado; e a imagem do orador/locutor, o lugar de que ele fala, o momento histórico, de outro. Daí Maingueneau empregar cenografia com um duplo valor: 1º a dimensão teatral da cena, a “grafia” o modo como o discurso se inscreve e se legitima em seu modo de existir; 2º o desenvolvimento da enunciação como a instauração progressiva de seu próprio dispositivo de palavra em que a “grafia” deve ser apreendida como quadro e como processo. Um ouvinte/leitor constrói a cenografia de um discurso com a ajuda de diversos índices entre eles, o reconhecimento do gênero do discurso, os registros e níveis de linguagem e a ideologia. Cenografia e ethos implicam um processo conjunto: desde a emergência, a palavra traz um certo ethos que é validado progressivamente, pois ele depende de diversos fatores, desde o pré-discursivo, o discursivo, o mostrado e o dito diretamente ou indiretamente, tornando-se muitas vezes impossível descrever as fronteiras entre o dito, o sugerido, o mostrado e o intuído, e as interações ocorridas no processo de comunicação. Maingueneau chama de “incorporação” (1999, p. 79) o modo como o interlocutor na posição de intérprete – ouvinte ou leitor – se apropria do ethos, pois a enunciação confere uma corporalidade à argumentação, lhe dá um corpus que o destinatário incorpora, ao assimilar um conjunto de esquemas que corresponde a um modo específico de se referir ao mundo em relação a esse corpus; e por fim as duas primeiras incorporações permitem a constituição de um corpus, constituindo-se uma unidade imaginária daqueles que aderem ao mesmo discurso. Essa última posição de incorporação revela uma identidade que será reconhecida não apenas pela doutrina ou pelas idéias, mas também por uma maneira de dizer, que retrata uma maneira de ser, mobilizando o auditório/alocutário na direção de um determinado sentido. O poder de persuasão de um discurso será maior se investido de valores historicamente especificados pelo auditório/alocutário e o ethos é a parte que garante, através da palavra, a identificação com esses valores: é através do enunciado que se legitima a força da persuasão, não visto como uma forma ou um conteúdo, mas como um acontecimento inscrito em configurações sócio-históricas e deve-se associar a organização do conteúdo e da forma à cena que vai legitimar essa enunciação. Neste momento, faz-se necessário reportar-se à teoria articulada por Ruth Amozzy, quando transpõem para a análise os modelos de Perelman e C. Kerbrat-Orecchioni e desenvolve, na análise de ethos, a noção de estereótipo que ela considera a construção de uma auto-imagem no contágio de uma representação coletiva, solidificada, impressa. Entende-se por estereótipo uma associação com imagens já instaladas, memórias pré-fabricadas, uma representação construída e congelada, com uma competência cultural partilhada. Para falar dos estereótipos ela recorre à posição defendida por Bourdieu (1982, p. 107) quando ele afirma que a ação exercida pelo orador sobre seu auditório não é apenas de ordem linguageira, mas social; a autoridade do orador não depende apenas das palavras que ele utiliza, mas também do acesso que tem à palavra oficial ou ao que lhe dá legitimidade para falar “daquele lugar”. Nota-se, pois, que a eficácia do orador não está apenas na substância propriamente lingüística, mas deriva da adequação funcional e social do locutor: o discurso terá autoridade se for enunciado por um orador legitimado e numa cena legítima, com alocutários legítimos. O ethos tem, nessa visão, posição importante, pois consiste em uma autoridade exterior através da qual o orador deve legitimar seu lugar, podendo-se em certas circunstâncias dizer que a eficiência do orador não depende de enunciação, mas daquele que enuncia e do poder de que está investido pelo seu auditório. Trata-se de um dizer e um fazer que constituirão a interação social em que as trocas simbólicas devem acontecer. Isto dá ao discurso duas dimensões: uma perspectiva interacional e outra institucional, que é inseparável da posição ocupada pelos participantes do auditório. Observa-se que nas pesquisas da pragmática moderna, a importância das trocas verbais, da interação, fundamenta-se no estudo da imagem que os interlocutores fazem de si mesmos, no modo como se inserem na cena de enunciação, no gênero de discurso e nos papéis que desempenham. Se houver uma boa correspondência entre a imagem que o orador faz de seu auditório, e vice-versa, haverá eficácia do discurso, o que se conclui que a construção discursiva se faz num jogo especular em que o orador constrói sua imagem em função da imagem que ele cria de seu auditório. A esse espelhamento, Maingueneau chama de ethos pré-discursivo. Muitas vezes, esse ethos pré-discursivo não acontece de modo novo ou totalmente singular. Para ser reconhecido e valorizado pelo seu auditório, para parecer legítimo, o orador se indexa de representações divididas que podem ser aproximadas a modelos culturais, mesmo que se trate de modelos de contestação. Aí entra o estereótipo, que consiste numa operação de pensar o real através de uma representação cultural pré-existente, um esquema coletivo fixo, uma vez que um indivíduo pode ser percebido e valorizado em função do modelo pré-construído difundido na comunidade de que faz parte. Trata-se de uma personalidade conhecida, ou com uma imagem pública forjada pela mídia, ou, ainda, uma imagem que lhe é atribuída com premissas éticas ou políticas às quais ele deve aderir. Essa estereotipagem serve para dar à construção da imagem do orador, a autoridade e legitimidade do discurso. E ao auditório/alocutário cabe identificar esse orador/locutor numa categoria conhecida socialmente. O discurso oferece os elementos que o auditório/alocutário precisa para compor um “retrato do locutor, porém apresentado de forma indireta, dispersa, com lacunas ou implícita” (AMOSSY, 1999, p.136). Assim é que um estilo pontuado de exclamações, ou uma forma lacônica ou rude sem as normas de polidez, ou um tom magistral se integram na imagem que o locutor apresenta. É o conjunto de características de que a pessoa do orador se investe, a situação em que esses traços de caráter aparecem que permitem construir sua imagem. Mesmo se essa imagem é única e singular pode ser construída a partir de modelos culturais que facilitam a integração dos dados oferecidos pelo orador em um esquema pré-existente. Esse esquema consiste em valores que produzem uma imagem favorável apoiada em valores integrados à opinião comum, num plano social e ético, tais como: pessoa responsável, alguém ligado a valores humanos, possuidor de um senso de dever, que inspira confiança, deseja do bem do outro, apresenta argumentos coerentes, é simpático, generoso, altruísta. A eficácia da palavra deriva do ethos construído e as instituições que pregam os valores acima definem como deve ser esse ethos. O discurso que o orador apresenta deve explorar sua imagem para responder às necessidades de seu auditório, em consonância com os valores institucionais, e isso acontece no desempenho do papel que o auditório espera dele. Percebe-se, portanto, que a posição institucional do orador, o grau de legitimidade que lhe é conferido contribui para criar a imagem pré-discursiva, cujo ethos é mobilizado pelo enunciado. Um nome, uma assinatura é suficiente para evocar uma representação estereotipada que é construída no jogo especular de trocas verbais. Num quadro de cena genérica dada, o locutor coloca sua imagem que corresponde a uma distribuição de papéis pré-existentes e fundada sobre ideais percebidos no auditório. Esse estereótipo se deixa apreender na enunciação assim como no enunciado, articula-se sobre a pragmática e a reflexão sociológica. É preciso sublinhar a dimensão social do ethos discursivo e sua relação com as posições institucionais, pois o imaginário social e a autoridade contribuem para sua formação, centrada na materialidade do discurso, permitindo analisar a construção do ethos em termos de enunciação e do gênero de discurso. CORPUS PARA ANÁLISE A sua autoridade também ajuda a criar um contexto favorável. Se você demonstra profissionalismo, conhecimento sobre o assunto, credenciais, experiência e credibilidade, você consegue criar uma aura de autoridade em torno de si, que lhe dará poder em qualquer solicitação que você fizer. Próximo à autoridade está o território da confiança que é formado de três fatores.
[...] O que você fala é o que você pensa? O que você fala em público é o mesmo que você fala em particular? Você é capaz de falar para um amigo ou cliente as mesmas coisas que fala dele para terceiros? Se as suas falas estiverem sintonizadas e coerentes, nas diversas situações de seu dia-a-dia, você terá a seu favor a sinceridade. Quando você faz o que sabe e gosta de fazer, gerando ação de forma correta e produtiva, o Universo lhe retribui com a aura da competência. A pessoa reconhecida como competente adquire um poder especial na sua comunicação, porque desperta confiança em sua atuação no mundo [...] A sua história pregressa completa o tripé da confiança. A maneira como você vem atuando na vida (principalmente em termos de sinceridade e competência) ajuda a moldar a confiança que os outros vão depositar em você daqui para frente. Se você tem ocorrências negativas no passado, procure recriá-las em sua história de forma positiva, limpando tudo que estiver mal resolvido, desengavetando pendências deixadas pelo caminho [...] Para aferir a confiança que você tem no outro, não seja demasiadamente rígido. Todos merecem oportunidade de aprender e melhorar [...] Mas não confunda confiança com ingenuidade. Enquanto a confiança não puder ser total, exerça a prudência. Com prudência você estará mudando comportamentos no sentido positivo e abrindo mais uma janela para o futuro. O Universo saberá retribuir [...] Portanto, sempre que possível, crie um ambiente amigável. Observe a inter-relação e ponha mais afeto nas suas atitudes. Elogie, coopere. Faça-se gostar, gostando [...] Se você quer ser um bom comunicador, em qualquer ambiente em que estiver, procure observar antes de falar. Qual é a conversa que acontece nesse ambiente? Qual a linguagem das pessoas que estão aqui? Como são as crenças e os interesses dessas pessoas? Quanto mais sua linguagem estiver sintonizada ao consenso do ambiente, mais bem recebido será você. (RIBEIRO,1993, p.29-32) Como se pode observar, o texto propõe uma atitude de adesão ao auditório, e desde as primeiras linhas “ajuda” a criar um ambiente favorável para a argumentação. As interrogações que iniciam o texto mostram um caminho de reflexão para mostrar que o orador deve-se aproximar de seu auditório, uma cenografia está sendo construída. A aura de autoridade que Lair Ribeiro (a partir de agora LR) propõe pode ser entendida como a credibilidade, o carisma que o orador deve desenvolver. As perguntas marcam um desejo de interação entre locutor e alocutário. Ao interrogar o enunciador pretende que um segundo enunciador dê a resposta pedida, pois na situação de interlocução e interação uma pergunta corresponde a uma necessidade de resposta. No caso do texto de LR há uma situação unilateral, caracterizada pelo uso de perguntas retóricas, uma vez que no desenrolar do raciocínio, ele mesmo conduz à resposta. O que se observa é que as interrogações têm valor de asserção, e em geral, quando há uma pergunta retórica, a asserção positiva corresponde a uma resposta negativa. Note-se que se pressupõe que o interlocutor responda negativamente às perguntas feitas: O que você fala é o que você pensa? Nem sempre. Regras de etiqueta e de boa convivência aconselham que nem tudo o que se pensa seja dito. O que você fala em público é o mesmo que você fala em particular? Não. Há uma linguagem e uma postura para o espaço coletivo e outra para o espaço privado. A terceira questão envolve uma construção enigmática: Você é capaz de falar para um amigo ou cliente as mesmas coisas que fala dele para terceiros? Nem sempre. Porque se desejar elogiar o amigo ou cliente ao fazê-lo diretamente corre-se o risco de passar a idéia de bajulação interesseira, e, se desejar criticar, poderá perder o amigo ou o cliente. É por isso que, neste momento, no texto, o autor responde à questão: é importante haver sintonia e coerência em suas afirmações para ter a seu favor a sinceridade. A construção dessas interrogações dissimula a imagem autoritária em que o discurso é construído. A resposta que dá é coincidente com a própria pergunta, e constitui-se em mais uma estratégia discursiva. Segundo Ana Bela Afonso, essa interrogação consiste em tomar a palavra não para expressar uma dúvida ou exigir uma resposta, mas para marcar, pelo contrário, a maior persuasão e impedir, àqueles a quem se fala, a possibilidade de poder negar ou mesmo responder... mas uma singularidade surpreendente é que, com a negação ela afirma e sem negação ela nega [...] Ao co-enunciador é anulada a possibilidade de resposta. (AFONSO, 2000, p.39). O que LR faz é construir um caminho de argumentação, disfarçando seu discurso autoritário através das perguntas retóricas, simulando uma participação do alocutário, pois a interrogação conserva a aparência formal de apelo, de solicitação, mas permite a interpretação de que se trata de manifestar uma autoridade, uma chamada para os valores que o autor pretende defender. Prosseguindo na análise, pode-se estabelecer um paralelo entre o que afirma Aristóteles, na Retórica II, 1378a 6 e o discurso de LR Aristóteles: Os oradores inspiram confiança por três razões Lair Ribeiro: O território da confiança, que é formado de três fatores A: a prudência, a sabedoria prática (phrónesis); LR: A sinceridade, a prudência, a competência; A: a virtude (aretê); LR: A história pregressa, como você vem atuando na vida, limpar o que estiver mal resolvido; A: altruísmo e simpatia (eunóia); LR: gerando ação de forma correta e produtiva. Todos merecem oportunidade de aprender e melhorar. Aprenda a gostar, gostando; Trazendo para a análise do corpus as pesquisas de Maingueneau, observa-se que há uma cena englobante, que é o discurso de auto-ajuda, constituindo-se numa tipologia que tanto pode ser definida como tipologia enunciativa e também situacional, pois há uma caracterização que define a situação dos interlocutores no quadro espaço-temporal; há a cena genérica, presente através de um discurso que ensina como chegar ao sucesso na comunicação, constituindo-se um gênero; e a cenografia começa a ser traçada partindo de valores interiores que o locutor deve desenvolver. Trata-se, portanto, de um discurso de quem tem o que ensinar, num tom professoral, há uma cenografia adaptada ao propósito do orador/locutor. Esta cenografia está construída no texto quando diz “a autoridade ajuda a construir um contexto favorável”, toma-se, então, “contexto” com o efeito de sentido da cena, e em seguida há a descrição de como ela deve ser criada: demonstrar profissionalismo, credenciais, experiência e credibilidade. Quando LR fala em “aura de autoridade” “aura de competência” está-se referindo ao que se chama em análise do discurso de cenografia. LR enquanto orador/locutor ensina como ter poder sobre seu auditório/alocutário. O corpus analisado está ensinando como criar a cenografia tendo como referência o ethos do orador/locutor. Em contrapartida, logo a seguir, didaticamente, vai ensinar como “olhar” para o auditório/alocutário: sem rigidez, com prudência, comportamentos positivos, elogios, cooperação, afeto na inter-relação. Ao mostrar como deve ser a pessoa do locutor, como observar a linguagem e as crenças do alocutário e como deve adequá-la à própria e, especialmente, com relação à questão da competência LR aproxima-se da idéia de Maingueneau quando este afirma que o ethos é uma noção discursiva que se constrói através do discurso, não é uma imagem exterior à palavra e de que o ethos está ligado a um processo interativo de influências mútuas entre locutor e alocutário, este aspecto está presente quando LR afirma que se deve observar a inter-relação e pôr mais afetividade nas atitudes. Outro aspecto é a noção sócio-discursiva, na forma de um comportamento social avalizado, que aparece em LR na noção de história de vida pregressa, entendida como “ser aceito, ser socialmente adequado”, criando uma imagem que mereça confiança. Com esse discurso, LR cria um estereótipo para o locutor, seja para uso nas comunicações interpessoais, empresariais, sociais, familiares. A imagem daquele que fala necessita de qualidades interiores relacionadas com seu discurso, pois o que ele é está inscrito no que ele diz. Com as habilidades descritas, um locutor legitima socialmente um “lugar” do qual pode falar, que pode dar a ele uma autoridade exterior, provinda do poder de que será investido por seu auditório. Como Amozzy apresenta: há um caráter interacional, pois o locutor está sendo ensinado sobre as habilidades que deve desenvolver para ser um bom comunicador e há um caráter institucional porque o locutor conquista um lugar legitimado que dará legitimidade aos seus alocutários e ao seu discurso. O corpus analisado é um exemplo de que há um esquema para produzir uma imagem, com valores sociais e éticos de locutor agradável, ligado a valores humanos, desejoso de se tornar melhor, corrigindo sua história nos pontos negativos, buscando a confiança, desejando o bem de seu auditório, apresentando-se com argumentos coerentes, sendo simpático, generoso, altruísta. Esses valores são construídos e apoiados pela instituição de um gênero que é a auto-ajuda, com um lugar especial nas livrarias, nas editoras e entre os livros mais lidos. Isto define como deve ser esse ethos, criando um estereótipo do locutor competente. Essa imagem deve responder às necessidades de seu auditório, que vai incorporar e legitimar o lugar do orador/locutor num ethos produzido no e pelo discurso. Pode-se concluir essa análise mostrando: Ethos pré-dicursivo : LR, médico, pessoa de sucesso profissional e editorial, entra em cena apoiado numa ciência, a neurolingüística, e numa vertente dela a Programação Neuro-Linguística (PNL); inicia as publicações de auto-ajuda, na década de 80, sendo um dos primeiros escritores brasileiros dessa modalidade. Trata-se da tipologia na forma de discurso pedagógico; inserida no gênero de auto-ajuda; desenvolvendo a ideologia da competência e ideologia do sucesso, especialmente sucesso financeiro. Ethos discursivo – Dito: um discurso coerente, dotado de senso comum, competente, embasado indiretamente na retórica, tom professoral de quem tem uma verdade a ensinar, condução do alocutário através de perguntas retóricas para poder situar o que pretende defender. Ethos discursivo – Mostrado: cena validada pela receptividade que encontra na mídia e nas editoras, fala de um lugar legitimado, pois é apresentado à comunidade pela imprensa como grande comunicador, trata-se de alguém que tem sucesso como comunicador ensinando como desenvolver as habilidades para ser também um comunicador global. Estereótipo – LR traz a imagem do orador/locutor com um lugar validado e instalado na memória coletiva: um “show-man” que lota auditórios, capaz de prender a atenção desdobrando-se entre artista e orador.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AFONSO, Ana Bela. Para um estudo sobre a interrogação retórica. In: ACTAS do XV Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Lingüística (Faro, 29-30 de setembro e 1º de outubro de 1999). Braga, Portugal: APL, 2000. p 37-47. AMOZZY, Ruth. Images de soi dans le discours: la construction de l’ethos. Lausanne, Fr: Delachaux et Niestlé, 1999. BAILLY, M. A. Abrégé du dictionnaire grec-français. Paris: Hachette, 1901. BOURDIEU, Pierre. Ce que parler veut dire. In : L’économie des échanges linguistiques. Paris: Fayard, 1982. CAMPOS, Maria Henriqueta Costa. A enunciação do “outro” e a retórica das relações enunciador-locutor construídas no texto. In: Tempo, aspecto e modalidade: estudos de lingüística portuguesa. Porto, Portugal: Porto, 1997. EGGS, Ekkehard. Ethos Aristotélicien, conviction et pragmatique moderne. In : Ruth Amossy (Org.). Images de soi dans le discours: La construction de l’ethos . Lausanne, Fr.: Delachaux et Niestlé, 1999. MAINGUENEAU, D. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2002 . MAINGUENEAU, D. L’Ethos e pragmatique. In : Ruth Amossy (Org.). Images de soi dans le discourse: La contruction de l’ethos . Lausanne, Fr.: Delachaux et Niestlé, 1999. MAINGUENEAU, Dominique. Le contexte de l’oeuvre littéraire: énonciation, écrivain, société. Paris:Dunod, 1993. PÊCHEUX, M. L’analyse automatique du discours. Paris: Dunod, 1969. RIBEIRO, Lair. Comunicação global: a mágica da influência. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1993.
|
||||||
|