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Estudo onomasiológico do vocabulário da esfera conceitual d’O HOMEM, SER SACRO E PROFANO d a Demanda do santo graal

Undira Fratel Maria de Oliveira (PPGLL/Ufba)

 

Resumo: este trabalho se propõe a focalizar o vocabulário da esfera conceitual d’O HOMEM, SER SACRO E PROFANO da Demanda do santo graal. Tomou-se como fonte de pesquisa a edição crítica de Irene Freire Nunes. Buscaram-se fundamentos nas teorias relacionadas com a Semântica, correspondendo à Onomasiologia, examinando-a através da Semasiologia.

Palavras-chave: onomasiológico, semasiológico, sagrado e profano.

Resume: ce travail se propose à concentrer le vocabulaire de la sphère conceptuelle de L’HOMME, ÊTRE SACRÉ ET PROFANE de la Demanda do santo graal. On a choisi comme point de depart l’édition critique d’Irene Freire Nunes. On a recherché des fondements dans les theories en relation avec la Sémantique qui correspond à l’ Onomasiologie, examinee avec la Sémasiologie.

Mots-clef: onomasiológico, semasiológico, sacré et profane.

O objetivo deste trabalho é proceder à investigação onomasiológica do vocabulário da esfera do campo conceitual do homem, enquanto ser sacro e profano, a partir de um corpus previamente selecionado da novela de cavalaria A demanda do santo graal , edição crítica de Irene Freire Nunes. Para tanto, buscaram-se as teorias relacionadas com a Semântica, que é o estudo do significado . Embora os semanticistas ainda não tenham chegado a um acordo sobre o que é “significado”, e se tenham criado em torno dele várias teorias, trata-se aqui do estabelecimento de uma metalinguagem em que as relações – pois o significado é uma espécie de relação, e não uma entidade, que constituem o objeto do estudo da Semântica e possam ser nomeadas.

No que se refere à Semasiologia, serão apontadas as possíveis diferenças entre as significações das formas que compõem o referido vocabulário, e as dicionarizadas no Glossário que compõe a obra e nas obras de referência consultadas, representantes parciais da atual sincronia da língua portuguesa. Tais significações conduzem o pesquisador ao campo das designações que se referem ao campo onomasiológico , conforme explicitado anteriormente.

Por fim, dar-se-á especial ênfase ao registro de palavras que caíram em desuso, aliada às considerações a propósito da origem de algumas formas assinaladas, à medida que as fontes de pesquisa fornecerem subsídios para tais considerações, e sempre que se fizer necessário.

O método onomasiológico, também conhecido como Onomasiologia , isto é, o estudo das designações , propõe-se a investigar os vários nomes atribuídos a um conceito. Através desses estudos onomasiológicos ou monografias sobre palavras, pode ser investigada, onomasiologicamente, toda cultura popular de um país, podendo-se priorizar os aspectos diacrônicos e/ou sincrônicos. A novela de cavalaria A demanda do santo graal é constituída por 715 capítulos. Ao se prescrutar o vocabulário onomasiológico nos diversos capítulos da Demanda, constatou-se que a esfera do homem, ser sacro e profano é muito produtiva. Dentro dos parâmetros onomasiológicos , foram selecionados três grupos: o campo do sobrenatural , o campo dos papéis sociais e o das características comportamentais do homem .

Vejam-se os seguintes resultados encontrados no Quadro 1:

ANÁLISE ONOMASIOLÓGICA DO CAMPO DO SOBRENATURAL

Ange Angeos//anjo//angios

 

DSG, 456 (627.5); 504 (706,18); 59(58.12); 453 (621. 07) // 59 (58.14).

Diabo Diaboo//demo// demon

DSG, 59 (58. 10); 61 (61.11); 95 (117. 9);449 (610.17) // 448 (613.01); 127(154.45); 161(202.70) // 127 (159.44).

Encan Encantamento

DSG, 26(10. 16).

Mara Maravilha // maravilhosa

DSG, 25 (09. 12); 29 (16.4); 31 (19. 6); 33 (20. 15); 35 (25. 12); 38 (30. 4); 42 (34. 16); 50 (45. .57); 25 (10. 9); 31 (18. 16-17); 58 (57. 16 22); 446(609.12)// 25 (10. 2).

Besta Besta (Ladrador) // beesta

DSG, 76 (82. 8); 76 (83. 01); 83 (98. 01); 83 (97. 10); 449 (615. 13); 449 (614.13) // 86 (101,1 – 7); 206 (256.11).

Avessia // aas vessas

DSG, 110 (140.12)

Quadro 1: Campo do sobrenatural

ANÁLISE SEMASIOLÓGICA DOS ITENS LEXICAIS DOCAMPO DO SOBRENATURAL

Nos registros do Quadro 1 podem-se destacar, algumas lexias como anjo e suas variantes gráficas angeo/ angios. Registros que despertam a curiosidade do leitor/pesquisador, pois revelam, em textos de um mesmo autor, a variação entre duas formas concorrentes.

(01) E estava redor del mui gram companhia de angeos (DSG, 456, 657. 05).

(02) -Eu era, disse el, em tam gram festa e em tam gram companha de angios que nunca vi de gente tam grande assuada (DSG, 504, 706. 18-19).

Quanto à lexia besta, encontrou-se dicionarizada ‘animal de carga’ XIII. Do latim bestia. Cp. BICHO (CUNHA, 1986, s.v.). No Aurélio está dicionarizada com a significação de ‘quadrúpede, principalmente de grande porte’, ‘animal de carga’.Do latim bestia, no latim tardio besta. Acrescente-se que, no Aurélio, encontra-se também o verbete besta-fera ‘animal feroz’(AURÉLIO, 1975, s.v.). No Michaelis, além das significações acima descritas, encontra-se besta do Apocalipse ‘animal simbólico, descrito no livro do Apocalipse’ (MICHAËLIS, 2002, s.v. besta), cuja significação mais se aproxima das características da Besta Ladrador, descritas na narrativa da DSG. Veja-se a simbologia de que tal lexia se reveste na narrativa: de dentro desse animal “saíam vozes, verdadeiros ladridos de cães que eram uma maravilha”, daí o cognome “Besta Ladrador”. A ele, atribuíram-se fatos assombrosos relacionados com o diaboo - “ca esto nom é cousa de Deus mas do diaboo”(DSG,84,98.22). No contexto dos trechos (03) e (04), abaixo, no bojo da significação da referida lexia, detecta-se essa conotação, carregada do matiz do sobrenatural, apresentando, por isso, algum tipo de divergência, com os seus respectivos usos, na atual sincronia da língua portuguesa. Observe-se que o exemplo (05) apresenta a forma beesta, divergindo da anterior, tanto no significado, quanto na representação gráfica, que se sobressai pela seqüência vocálica idêntica.

(03) E aa nacença do que tu trages parecerá que não foi de mim, ca nunca de homem nem de molher saiu tam maravilhosa cousa como de ti saírá; que diaboo o fez e diaboo trages e diaboo sairá em semelhança da besta mais desassemelhada que nunca homem viu. (DSG, 448-449, 614. 17).

(04) E eles estando a este departimento virom sair da mata a besta desassemalhada (...) (DSG, 76, 82. 8).

(05) E eles em esto falando cataram ante si longe e viram viir, quanto ua deitadura de beesta, uu cavaleiro sobre uu cavalo blanco, e tragia sua espada na mão(DSG, 206, 256, 11).

Interessante o uso da lexia avessia para caracterizar ‘má ação, maldade,ato inspirado pelo “adversário” (diaboo). Do latim adversus, ‘contrário’, ‘desfavorável’. (MAGNE, Gloss., p. 96, apud NUNES, p. 539). Daí se optar por colocar tal designação no quadro 01. A designação acima explicitada e cujas significações coincidem com as encontradas no texto da Demanda, está em desuso, e apresenta alguma diferença na significação, com relação à forma utilizada nas obras de referência consultadas. No caso de avessia encontra-se o verbete avesso, para significar ‘contrário, ’desfavorável’.

Veja-se o trecho em que se encontra a expressão adverbial aas vessas cuja significação se encaixa mais com a encontrada no Glossário da DSG, isto é, ‘inspirado pelo adversário (diaboo)’:

(06) (...)ca já mais nom ficaria com ele homem nem mulher que aas vessas nom fosse (DSG, 110,140. 12).

Para a designação de maravilha, encontram-se dicionarizadas ‘ato, pessoa ou coisa extraordinária, que causa admiração’, ‘prodígio’ X. Do latim mirabilia, ‘coisa admirável’ (CUNHA, 1986, s.v.);’enigma’, ‘espantosamente’ (NUNES, Gloss., p. 552). No Michaëlis encontram-se somente as sigificações de ‘coisa que provoca admiração por sua beleza’, ‘objeto de rara perfeição’ que, em alguns trechos, divergem-se das observadas na Demanda . No Aurélio, apresentam-se, além das acepções anteriores, ‘fato surpreendente, admirável, assombroso’, ‘portento’, ‘milagre’. Vejam-se os exemplos (07), (08) e (09):

(07) [5, b] E aveo entam ua gram maravilha : nom houve tal no paaço que nom perdesse a fala”(DSG, 29, 16. 4).

(08) - Senhor, disse Galaaz, eu vi em esta foresta três maravilhas : ua foi da besta ladrador e outra da fonte da guariçom e outra de ua dona da capela” (DSG, 446, 609. 12).

(09) Pero nom dava vozes, mas chorava tam de coraçom que maravilha era.(...) E quando ela viu a donzela tam de coraçom chorar maravilhou-se que era (DSG, 91, 110.12).

A designação encantamento foi selecionada para esse quadro, pois está empregada no sentido de ‘enfeitiçar’XIII (CUNHA, s.v. encantar ). Apesar de estarem também dicionarizadas outras acepções como ‘seduzir’, ‘cativar’, estas não encontram correspondência na narrativa da DSG. Do latim incantare . No Aurélio, encontram-se as significações ‘feitiçaria, magia’, entre outras (AURÉLIO, s.v.). No Michaëlis, além das citadas anteriormente, encontram-se dicionarizadas ‘influência sobrenatural e imaginária de feitiços, bruxas’ etc. (MICHAELIS, s.v.).

(10) (...)e a espada que estava i metuda pólo encantamento de Merl in ,(...) (DSG, 26 (10. 16).

ANÁLISE ONOMASIOLÓGICA DO CAMPO DOS PAPÉIS SOCIAIS

Os conceitos concernentes ao campo dos papéis sociais, na Demanda, correspondem às designações que compõem o Quadro 2.

Arcibispo

509 (715. 01); 508 (713. 04); 505 (707. 28).

Amiga // barregã // entendedor

DSG, 41 (34. 04) // 373 (504. 5) // 498 (695.07); 147 (184.25).

Cavaleiro

DSG, 28 (14. 11); 41 (34. 02); 51 (48. 03 – 21).

Clérigo

DSG, 27 (13. 01-02); 55 (52. 16-17); 165 (207.07).

Dona

DSG, 23 (08.05); 42 (34. 09); 64 (206.15).

Donzela

DSG, 23 (08.05); 28 (14.16); 322 (435 . 05).

Duc

DSG, 501(701. 9).

Ermitam

DSG, 29 (16. 09-13);41 (34. 08); 61 (60. 24); 83 (98. 19).

Escudeiro

DSG, 52 (48. 30); 52 (49.19); 54 (51. 02).

Frade

DSG, 51 (48. 04); 58 (57. 10).

Mandadeira

DSG, 19 (01. 8); 234 (296.39-40); 479 (660. 38).

Pegureiro

DSG, 374 (507. 7).

Profeta

DSG, 30 (17. 2).

Rainha // raia

DSG, 39(31.15) // 38 (29. 4); 482 (667. 05); 496 (691.06); 497 (694.10); 498 (697. 01, 02, 06, 13);499 (697. 1 – 13).

El-Rei

DSG, 38 (01. 1-9-18-22).

Reposteiro

DSG, 389(532. 12).

Quadro 2: Campo dos papéis sociais

ANÁLISE SEMASIOLÓGICA DOS ITENS LEXICAIS DO CAMPO DOS PAPÉIS SOCIAIS

Na esfera dos papéis sociais, foram consideradas algumas lexias que são dignas de nota, pois se encontram em desuso atualmente, embora dicionarizadas. Outras trazem, em um mesmo contexto, uma variante gráfica, como amiga/barregã/ entendedor, hortelão, mandadeira, rainha/raia e reposteiro, ermitam. Outras se mantêm nos dias atuais, apesar de se detectar alguma mudança de significado em seus respectivos usos.São elas: amiga, donzela, dona.

Em Cunha, a lexia amiga nomeia ‘colega, concubina’ XIII. Do latim amica. Observa-se a variação entre três formas amiga/barregã/entendedor que têm, em diversos trechos da Demanda, os mesmos significados, conforme se verá a seguir. Barregã encontra-se dicionarizada, também, no sentido de ‘concubina’, ‘amásia’ XIII, barragãa XIII. De origem controversa // barregANA ‘tecido de lã muito durável’XIX(CUNHA, 1986, s.v. barregã). Tanto no dicionário de Aurélio, quanto no de Michaelis e no Glossário da DSG encontra-se assim dicionarizada, embora tenha caído em desuso.

(12) Mas nom faziam assi as donzelas, que as tiiam por barregããs; e, pois se enfadavam delas, faziam-nas aprender em lavar seda e assi as tiiam por servas sempre (DSG, 373, 504. 4 - 5).

Sobressai-se a lexia entendedor ‘namorado/a’, ‘amante’, ‘pretendente’, ‘amigo’, porque só foi encontrado com esse registro em Nunes (NUNES, Gloss., p. 549). No Cunha, ‘ter vocação, inclinar-se’ XIII. Do latim tendere (CUNHA, 1986, s.v. tender). No Michaelis encontram-se dicionarizadas, entre outras significações, ‘aproximar-se de’, ‘ter tendência’, ‘inclinação’, ‘esforçar-se por conseguir’ (MICHAELIS, 2002, s.v. tender). Analisando-se o contexto no qual está presente tal lexia, subjaz um sentido não só físico, mas, muito mais moral, isto é, percebe-se que há um sentimento mais profundo entre os amantes: eles ‘se entendem’, têm ‘a pretensão de’.

(13) Depós esto, enviou el-rei póla rainha e pólas donzelas e donas que veessem a ele. E depois que foram no paaço cada uu dos cavaleiros foi seer com sua mulher ou com sua entendedor ou com sua amiga. E taes houve i que puserom com [11, a] suas amigas de as levarem (DSG, 41, 34. 03-04).

(14) (...)poucos havia que nom jouvessemem pecado mortal e em luxúria grande, que mui poucos havia i que nom fossem namorados de suas entendedores (DSG, 147 ,184. 25).

Para donzela, as acepções de ‘virgem’, ‘mulher solteira’, ‘mulher que quer passar por virgem sem o ser’ (04), encontram-se em Michaelis e no Glossário (NUNES, Gloss., p. 540). Segundo Aurélio (1975, s.v.), a mesma lexia era empregada, primitivamente, além das acepções anteriores, como ‘mulher moça nobre’, hoje, em desuso. Também se encontra sua variante gráfica doncela ‘donzela’. Do lat. vulg. domnicilla, dim. de domna, ‘senhora’.

A lexia dona encontra-se dicionarizada como ‘proprietária’, ‘mulher’, ‘esposa’ XIII, do latim domina (CUNHA, 1986, s.v. dominar ), significações, ainda hoje, usuais para tal forma. Tais lexias encontram-se nos dicionários que se tomaram como fonte de pesquisa, embora tanto Aurélio quanto Michaëlis,tragam, em seu verbete, a abreviatura Bras. Pop . para ‘mulher, esposa’, ‘mulher, moça’. Outras significações atuais são: ‘título de tratamento honorífico que antecede o nome próprio das mulheres pertencentes às famílias reais de Portugal e do Brasil’, ‘título que precede o nome próprio das senhoras’(AURÉLIO, 1975, s.v.; MICHAELIS, 2002, s.v.).

(15) - Cavaleiros da Távola Redonda, ouvide! Vós havedes jurada a demanda do Santo Graal. E Naciam o ermitam vos envia per mim que niuu cavaleiro desta demanda nom leve consigo dona nem donzela, senam fará pecado mortal (DSG, 41, 34. 9).

O significado atribuído à lexia mandadeira está dicionarizado como ‘ordenar, dirigir como chefe’, ‘enviar, remeter’ XIII; mandadeiro XIII. Do latim tardio mandatarius (CUNHA, 1 986, s.v. mandar). Em Nunes, encontra-se como ‘mensageira’(NUNES, Gloss. p. 558), tomando, portanto, um sentido um pouco dessemelhante das acepções anteriores. Atualmente é uma forma em desuso.

(16) Véspera de Pinticoste (...)ua donzela chegou i mui fremosa e mui bem vestida e entrou no paaço a pee, como mandadeira. (DSG, 19, 01. 08).

Foram incluídas as formas rainha ‘esposa (ou viúva) do rei’, soberana que rege ou governa um reino’, ‘a principal, a primeira entre outras’ (AURÉLIO, 1975, s.v.), com sua variante gráfica raia. Esta última em desuso na atual sincronia da língua portuguesa. Também não se encontra registro desta forma em nenhum dos dicionários pesquisados. Do latim regina (NUNES, Gloss., p. 566).

(17) Ai, donzela, maas novas vos trago! Dom Lançalot, que viia com gram poder por conquerer o reino de Logres, perdeu-se no mar com toda sa gente. (...) A raia que jazia doente, quando ouviu estas novas houve tam gram pesar que a poucas que nom foi sandia. Pero encobriu-se bem, com pavor daquela que as novas dizia (DSG, 498, 696. 2 – 4 – 5 – 6 - 12).

A lexia reposteiro também merece comentário específico, porque apresenta algum tipo de divergência quanto a seus respectivos usos, na atual sincronia da língua portuguesa. Conforme dicionarizada em Nunes (Gloss., p. 566), nomeia ‘o encarregado de reposte’, por um processo metonímico (oficial encarregado de guardar o serviço de mesa) (NUNES, Gloss., p. 566). No Aurélio, está dicionarizada como ‘cortina ou peça de estofo pendente das portas interiores da casa’, ‘criado da casa real a quem compete cerrar os reposteiros’, e por ter, no Michaëlis, além dos significados anteriormente citados, ‘oficial do paço que tinha a obrigação de guardar as alfaias, pratas, roupas etc. do reposte’, ‘tesoureiro’. Em Cunha, constatam-se as formas rreposteiro XIV // reposte ‘despensa, guarda-roupa’ XIII, além dos significados anteriores. Do latim repositarius. (CUNHA, 1986, s.v. reposteiro).

(18) (...)e chamou seu reposteiro e vistiu-se e pidiu-lhe sas armas (...) (DSG, 389, 532. 12).

ANÁLISE ONOMASIOLÓGICA DOCAMPO DAS CARACTERTÍSTICAS COMPORTAMENTAIS DO HOMEM

Argulho

126 (159. 10); 127 (159. 49).

Assinar-se, assinou //signou-se.

DSG, 146 (185.08);135 ( 196.04);155 (196. 40); 158 (201. 06).

Aleivoso/a // aleive // traiçon/

/traedor // treiçom

DSG, 232 (294.18); 97 (119. 20); // 509 (715.04); 487 (676.04); 486 (674. 08); //473 (649. 38); // 109 (140.08).

Ard ido //ardimento

DSG, 29(16. 6); 33 (22. 9); 97 (120.5) // 54 (51.15); 58 (56.15-16); 239 (306.04); 362 (490. 29).

Aventura // ventura

DSG, 34 (23. 18); 60 (59. 08-09) // 32 (19. 44).

Aviziboo// aviziboa//viziboo// viçoso

DSG, 43 (37. 7) // 232 (294. 11)// 248 (322.11); // 100 (122. 39-40-41).

Castidade

DSG, 28 (14. 35).

Cortesia

DSG, 35 (24.03).

Couardo // recreúdo

DSG, 21 (4.16) // DSG, 153 (94. 41).

Desleal

DSG, 48 (43. 26); 78 (89. 15).

Descreúdo

DSG, 378 (514. 3).

Felonia

DSG, 372 (502.10).

Fornízio

DSG, 125 (158. 11).

Cristão

421 (574. 28); 429 (573.10).

Honta, onta

DSG, 154 (95. 22); 155 (196. 27). .

Homildade//,humildarom//

DSG, 126 (159. 12) // 124 (157.13)

Luxúria

DSG, 252 (331. 04); 435 (596.04).

Mezquinho

DSG, 74 (79.27).

Mercee

DSG, 88 (104. 21); 357(480. 5); 491 ( 682. 09); 510 (215.09).

Rugulosa

DSG, 232(294. 14).

Sobervia

DSG, 491 (682.19); 476 (655.03)

Sofrença //sofrudo (paciência)

DSG,

Puridade, poridade

DSG,118 (150. 18).

DSG, 104 (131.08); 436 (598.04).

Vendita // vengança

DSG,

Pecador

DSG, 128 (161. 07).

Posfaçar // posfaço

DSG, 458 (630.04) // 459 (631. 36).

Quadro 3: Campo das características comportamentais do homem.

ANÁLISE SEMASIOLÓGICA DOS ITENS LEXICAIS DO CAMPO DAS CARACTERÍSTICAS COMPORTAMENTAIS DO HOMEM.

Foram introduzidos nessa esfera registros que devem ser assinalados por sua importância, por estarem em desuso atualmente, ou por apresentarem variação gráfica. São designados, na Demanda, através de assinar-se, aleivoso/aleive, ardido/ardimento, aviziboo, sofrença, felonia, rugulosa, recreúdo e posfaçar/ posfaço.

Para assinar-se encontraram-se dicionarizadas ‘benzer-se, fazer o sinal da cruz’,‘persignar-se’. Do latim signum, ‘sinal’ (MAGNE, Gloss., p. 87, apud NUNES, Gloss., p. 538).É uma designação que se distingue das outras, porque sua significação diverge das dicionarizadas nas obras consultadas. Cunha registra ‘sinal, símbolo, marca’, ‘assinar’, ‘dar a conhecer’, ‘assinalar’ XIII. Do latim assignare ( CUNHA, 1986, s.v. signo ). Tais significados estão também dicionarizados tanto em Aurélio quanto em Michaelis, divergindo, portanto, da significação encontrada na Demanda , como se pode constatar nos trechos abaixo e nos demais trechos indicados no Quadro 3.

(19) Entam assinou no nome do Padre e do Filho e do Espírito Santo, e o homem boo se chegou mais a ele e beijou-lhe o pee. (DSG, 147, 185. 08).

(22) (...)e, ao entrar, signou-se e rogou a Nosso Senhor que o aconselhasse (DSG, 146, 183.14).

Nessa esfera ressaltam-se, por estarem em desuso, as designações aleivoso/aleive/aleivosia cujas significações estão dicionarizadas também como ‘traição’, ‘calúnia’,’deslealdade’, ‘perfídia’. Do árabe alaibe ‘infâmia’, ‘opróbrio’ (LORENZO, Gloss., p. 75, apud NUNES, Gloss.,p. 535). Interessante destacar-se que, nos trechos abaixo, de números (35), (36) e (37), detectam-se, pelo contexto, que as significações para aleivoso são, respectivamente, ‘traiçoeiramente’, ‘traidor’, ‘pérfida, caluniadora’.

(21) – (...) E matou-o mui sem guisa e mui aleivosamente” (DSG, 105, 132. 15).

Introduziu-se, também, ardido ‘valente, corajoso’, XIII. Do fr. hardi , part. de hardir , deriv. do germânico* hardjan ‘tornar duro’ e o seu derivado ardimento ‘valentia, coragem, ousadia’ XIV, em Cunha (1986, s.v.), e igualmente em Nunes ( Gloss ., p. 573). A designação para essa significação não é usual nos dias de hoje .

(22)E catavam-se uus aos outros e nom podiam rem dizer, e nom houve i tam ardido que ende nom fosse espantado (DSG, 29, 16. 06).

(23) (...) e Ivam, que tanto ardido era e tam bõõ cavaleiro(...) (DSG. 104, 131.02).

Outra designação que caiu em desuso, embora se encontre dicionarizada em Cunha e no Glossário e deva ser assinala por sua importância é a lexia aveziboo e suas variantes gráficas aviziboo, fem. aviziboa, merecendo comentário específico, pois apresenta divergência na significação nos dicionários consultados: ‘afortunado, feliz, próspero, bem aventurado’. A origem desse vocábulo seria a recitação, de caráter mágico, das três primeiras letras do alfabeto latino (cf. esp. abce, auze , ‘habilidade’, ‘aptidão’) (REW, 16, apud NUNES, p. 539). Já em Michaëlis (C.A., p.84 apud NUNES,539) fá-lo derivar de avice mala (de avix por avis ), ‘infeliz’, aquele ‘a quem uma ave de mau agouro significa acontecimentos desastrosos’(MAGNE, Gloss ., p. 97, apud NUNES, Gloss ., p. 539,). É interessante ressaltar que a lexia aveziboo encontra correspondência de significação com a designação viçoso (s,a ), pois esta também significa ‘feliz’,’satisfeito’, ‘contente’ na DSG (NUNES. 1995, Gloss ., p. 574). No Cunha também está assinalada como ‘feliz’, ‘contente’ XIII. Forma divergente de vicioso , do lat. vitiosus (CUNHA, 1986, s.v. vício). Na atual sincronia da língua portuguesa, a significação de tal lexia é diversa da verificada na DSG, pois está assinalada como ‘que está em pleno vigor’, ‘cheio de vigor’, ‘que está em pleno vigor de sua beleza vegetal’, ‘fogoso’, ‘árdego’, entre outras (MICHAËLIS, 2002, s.v.). No Aurélio, além das significações anteriores, encontram-se ‘carinho em excesso’, ‘mimo’, ‘braveza’, ‘ardor, de certos animais, oriunda de bom tratamento’ (AURÉLIO, 1975, s.v. viço ).

( 24 ) E todos foram tam avizibõõs que nom houve i tal que nom fosse companheiro da Távola Redonda” (DSG, 43 (37. 07).

(25) - Mercee, mercee, donzela aviziboa ! Nom leixes morrer tam fremosa creatura como esta donzela é (DSG, 232,294. 11).

Para a lexia couardo e suas variantes gráficas covardo , cobarde, covardice que nomeiam ‘covarde’, encontrou-se, também, com a mesma acepção, o registro do vocábulo recreúdo, em desuso nos dias atuais (NUNES, Gloss., p. 566). Veja-se o trecho:

(26) (...)e segui-a já tam longo tempo que me terriam mais que recreúdo se vo-la nom defendesse (DSG, 153, 194.41).

Quanto à designação descreudo , singular incréu , encontrou-se o significado ‘incrédulo’(MAGNE, apud NUNES, Gloss., p. 546).

(27) (...)e fezeram saber póla terra que os descreúdos de Castel Felom eram todos mortos e o castelo destruído (DSG, 378, 514. 03).

Sobre a lexia felonia , felom, pl. felões, assinala-se ‘traição’, em Nunes. Em Cunha, foi encontrada a significação ‘rebeldia de vassalo contra o senhor, traição, perfídia’ XIII, o mesmo se constatou em Michaëlis e Aurélio. Do francês félonie (CUNHA, 1986, s.v.).

(28 ) (...) ante lhi fizerom i muito escarnho. Unde aveo que porque achou i os mais felões homens (...)(DSG, 372, 502. 10).

Das formas inseridas nesta esfera, ressalta-se também fornízio XIV ‘praticar o coito’ (CUNHA, 1986, s.v.). Em Nunes ( Gloss ., p. 553),encontraram-se as significações ‘luxúria,fornicação’. Do latim fornicium , de fornicari > port. fornicar. Caiu em desuso esta forma, permanecendo luxúria .

(29) (...) que por seu fornízio e por sua maa vida caerom em soberza e em mortal pecado,(... ) (DSG, 125, 158, 11).

Em desuso, encontram-se a designação honta e sua variante gráfica onta. Do fr. hontel,honte, de origem germânica, para significar ‘vergonha’ e que só se encontra dicionarizada em Nunes (Gloss. p. 554 e 561).

(30(...)leva toda a honra e leixou-vos toda grande honta” (DSG. 154, 195. 22).

(31) E creo bem que todo homem que em esta demanda entrar que faleça em serviço de Nosso Senhor, se bem menfestado nom for, que receberá i onta (DSG, 132, 167.06).

Para ‘orgulhosa, má’, encontra-se dicionarizada a denominação rugulosa ( NUNES, Gloss., p. 567). Nos demais dicionários consultados não há qualquer menção à referida lexia.

(32)[...] aquela em cujo coraçom nunca entrou piadade, quando viu que a rogavam tanto, muito foi mais brava e mais rugulosa [...] (DSG.232, 294.14).

‘Falar mal de alguém’, ‘injuriar’,’murmurar’ estão sendo designados pela lexia posfaçar / posfaço (prob. post faciem, ‘por detrás da face’) (LORENZO, Gloss., apud NUNES, Gloss., p. 564).

(33) [...] de Galaaz e de Persival e do Santo Graal e do posfaço da raia e de Lançalot [...] (DSG, 459, 631, 36).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Realizado o trabalho, ficou claro, que as designações do campo das características comportamentais do homem da Idade Média suplantaram todas as demais, como era de se esperar, já que é através do comportamento do homem que se delineia o sacro e o profano .

Quanto à origem das designações inventariadas em O HOMEM, SER SACRO E PROFANO, inferiu-se que a maior parte delas é de origem latina. Era esperado esse resultado, visto que as palavras pertencentes a tal esfera constituem o fundo básico do léxico de uma língua, e são conceitos fundamentais para a existência humana.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORGES NETO, José. Semântica dos modelos, [s.l.], [s.d.].

NEGRÃO, Esmeralda Vailati; FOLTRAN, Maria José, (orgs.). Semântica Formal. São Paulo: Contexto, 2003, p. 09-49.

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 2 ed. Nova Fronteira, 1986.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.

MICHAELIS. Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Melhoramentos, 2002.

NUNES, Irene Freire. A demanda do santo graal. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1995, Edição crítica.





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